Nessa era da pandemia pelo novo coronavírus, parece que qualquer sintoma respiratório ganhou destaque, e todos se viam prestando mais atenção numa simples coriza ou tosse, não? Em alguns momentos falamos em sintomas respiratórios, e em outros, apenas em síndrome gripal. E na prática, isso faz muita diferença… Vamos falar desse assunto, para sair do olhar leigo e tomar as condutas mais efetivas e resolutivas!
Consideramos sintomas respiratórios, todas as alterações associadas ao sistema respiratório (um pouco óbvio, mas que precisa ser falado). Os sintomas que envolvem cavidade nasal, faringe, laringe, traqueia e brônquios são considerados os “sintomas respiratórios”. Nesse pacote temos: tosse, coriza, congestão nasal, odinofagia, espirros, dor torácica e falta de ar. Assim, a febre, astenia, mialgia, artralgia ou mal estar generalizado, são sintomas inespecíficos que podem estar presentes em qualquer alteração sistêmica e não entram nesse pacote de sintomas respiratórios.
Sabemos que toda e qualquer síndrome caracteriza um conjunto de sinais e sintomas. Dessa forma, quando juntamos o conjunto de alterações respiratórias com alterações sistêmicas, temos uma síndrome gripal.
Mas, cuidado! A síndrome não caracteriza a doença, mas sim um conjunto de alterações que tem uma fisiopatologia em comum. Portanto, a síndrome gripal não está associada estritamente ao diagnóstico de gripe – a doença causada pela infecção pelo vírus influenza. Mas, sim, uma série de infecções que têm o mesmo padrão de comportamento e, portanto, podem ser tratadas da mesma forma.
O que traz uma notícia boa: diante do paciente, você não precisa saber identificar o agente etiológico, mas apenas identificar a síndrome gripal e tratá-la corretamente! Apenas em casos graves essa identificação do agente toma uma importância clínica maior.
CURIOSIDADE Alguns hospitais realizam um “screening” para todos os vírus respiratórios, o chamado painel viral. Ele permite identificar a etiologia precisamente, realizando pesquisa de DNA viral dos vírus respiratórios mais comuns – adenovírus, influenza, vírus sincicial respiratório, entre outros). Mas essa conduta tem importância de caráter epidemiológico e não clínico, a nível de conduta individual. |
Para considerarmos que uma pessoa está apresentando a síndrome gripal, devemos preencher os 3 critérios:
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Isso quer dizer que se você está diante de um paciente com febre e tosse, mas não tem mialgia, cefaléia ou artralgia, esse paciente NÃO TEM síndrome gripal. Temos uma pessoa com sintomas respiratórios, mas que não fecha os critérios para síndrome gripal. Isso direciona o seu raciocínio para uma infecção mais focal (como uma pneumonia bacteriana), sendo menos provável algo sistêmico – como uma infecção por vírus respiratório.
Mais um detalhe: nas crianças isso muda um pouco. Consideramos, na ausência de outro diagnóstico mais específico, a presença de febre + sintomas respiratórios.
Outra atenção que devemos ter é para as amigdalites bacterianas – a oroscopia deve sempre ser realizada! Na presença de um outro diagnóstico mais provável, a síndrome gripal é descartada e o tratamento específico para a doença diagnosticada é instalado.
Existe um segundo espectro da síndrome gripal, que é a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). Ela acontece quando o paciente preenche os critérios para Síndrome Gripal, e apresenta também outros sintomas de gravidade. Qualquer um desses critérios caracteriza como SRAG:
A SRAG deve ser sempre notificada.
Na era COVID, os novos protocolos nos confundiram um pouco em relação aos critérios para a classificação de síndrome gripal. A pandemia exigiu uma sensibilidade maior dos critérios, para início de isolamento e contenção da propagação do vírus. Assim, considera-se síndrome gripal os seguintes critérios:
Dois ou mais sintomas de:
Percebam: entram novos critérios para síndrome gripal específicos da COVID-19, como os distúrbios olfativos e gustativos e a diarreia, além da febre não ser mais uma condição essencial para síndrome gripal, e sim apenas “mais um”.
Para crianças, além dos itens anteriores, considera-se também obstrução nasal, na ausência de outro diagnóstico específico.
Para idosos, deve-se considerar também critérios específicos de agravamento, como sincope, confusão mental, sonolência excessiva, irritabilidade e inapetência.
Nessa mesma linha de raciocínio, na era COVID, para considerarmos SRAG e aumentarmos a sensibilidade e identificação precoce de quadros moderados e graves, adicionamos outros sinais e sintomas:
Assim, durante a pandemia, devem ser observados os sinais e sintomas acima para caracterização da síndrome gripal e SRAG. O cuidado que devemos ter, no momento, é entender que nem toda síndrome gripal será COVID e portanto, não enviesar o nosso olhar ao nos depararmos tais alterações.
Atenção! Informalmente, e didaticamente falando – podemos considerar dois “tipos” de síndrome gripal, com os critérios “novos” e os “antigos”.
Se considerarmos os critérios atuais para síndrome gripal, um paciente sem febre, mas com tosse e dor de garganta, fecha critérios para síndrome gripal. Nesse caso, a pessoa não se encontra nos critérios antigos para síndrome gripal, e apenas naqueles de suspeita de COVID-19. O tratamento específico para síndrome gripal (a antiga) não precisa ser instituído (falaremos a seguir), e sim apenas a abordagem direcionada para a suspeita de COVID.
Mas, se a pessoa preenche critérios para a síndrome gripal “antiga”, devemos instituir o tratamento com os antivirais para influenza.
Percebem a confusão? Ela aconteceu porque a COVID-19 se manifesta também como uma síndrome gripal, e colocaram todas as outras alterações específicas do COVID no mesmo “pacote”.
Para saber se será necessário a realização de exames complementares, devemos levar em consideração fatores de risco e se há sinais de piora do estado clínicos.
Fatores de risco: população indígena; gestantes; puérperas (até 2 semanas após o parto); crianças (até 2 anos), adultos (acima de 60 anos); pneumopatias (incluindo asma); cardiovasculopatias (excluindo hipertensão arterial sistêmica); doenças hematológicas (incluindo anemia falciforme); distúrbios metabólicos (incluindo diabetes mellitus); transtornos neurológicos e do desenvolvimento que possam comprometer a função respiratória ou aumentar o risco de aspiração (disfunção congênita, lesões medulares, epilepsia, paralisia cerebral, Síndrome de Down, AVC ou doenças neuromusculares); imunossupressão (medicamentos,neoplasias,HIV/Aids); nefropatias e hepatopatias.
Sinais de piora do estado clínico: persistência ou agravamento da febre por mais de 3 dias; miosite comprovada por CPK ( 2 a 3 vezes); alteração do sensório; desidratação e,em crianças,exacerbação dos sintomas gastrointestinais
Com esses dados, podemos então entender que na síndrome gripal, seguimos 4 diferentes condutas:
1 – Síndrome gripal SEM fatores de risco ou piora clínica
Se não há sinais de piora do estado clínico ou fatores de risco, o tratamento é feito apenas com sintomáticos: analgésicos comuns,e aumento da hidratação. Não são necessários exames complementares. O acompanhamento é ambulatorial e o retorno apenas se houver sinais de agravamento. Percebam que é assim que tratamos a maior parte dos quadros de suspeita de COVID!
2 – Síndrome gripal COM fatores de risco ou piora clínica
Se há sinais de piora do estado clínico ou fatores de risco, exames complementares a critério clínico podem ser realizados – radiografia de tórax e exames laboratoriais (hemograma, PCR, função renal, eletrólitos, CPK, gasometria arterial)
O que não pode faltar aqui é o oseltamivir – um antiviral específico para tratamento de influenza.
E por isso pegamos no pé ao explicar a diferença dos novos e antigos critérios – para o COVID, essa medicação não tem benefício. Portanto, se não há critérios “antigos” para síndrome gripal, não tem porque entrarmos com essa medicação. E da mesma forma, se confirmarmos o diagnóstico de COVID por PCR, o oseltamivir pode ser suspenso!
O tratamento é feito durante 5 dias, a cada 12 horas, na dose de 75mg para adultos e calculada de acordo com o peso para crianças.
3 – Síndrome gripal aguda grave SEM indicação de internação em UTI
Na SRAG, se não houver indicações de internação em UTI, o tratamento deve ser realizado em internação hospitalar. Exames complementares como radiografia e/ou tomografia de tórax, função renal e eletrólitos, PCR, gasometria, hemograma e o painel viral são importantes. Além do oseltamivir, deve ser instituída terapia antibacteriana até identificação etiológica.
4 – Síndrome gripal aguda grave COM indicação de internação em UTI
Já na SRAG com sinais de instabilidade hemodinâmica, disfunção de órgãos vitais ou insuficiência respiratória, o tratamento deve ser feito em leito de terapia intensiva, com os demais tratamentos realizados acima para SRAG.
O fluxograma do Ministério da Saúde resume a abordagem que explicamos neste texto. Vale a pena deixar ele por perto no plantãozinho em pronto socorro, ou até mesmo no consultório. Muito cuidado para não tratar tudo como COVID e esquecer do oseltamivir nos casos em que há indicação. Aliás, dá uma olhada também no vídeo que fizemos para o canal do PSMedway do Youtube sobre esse assunto:
Alguns protocolos municipais estabelecem fluxogramas diferentes para liberar a prescrição do oseltamivir de forma gratuita, devido aos custos dessa medicação. Mas isso não muda o fato do benefício para outras pessoas que não se enquadram nos protocolos. É importante estar atento às indicações para realizar o melhor tratamento para o seu paciente. Bora para cima!
Capixaba, nascido em 90. Graduado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e com formação em Clínica Médica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP) e Administração em Saúde pelo Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE). Apaixonado por aprender e ensinar. Siga no Instagram: @joaovitorsfernando