Síndrome Hemolítico Urêmica (SHU) na Pediatria: tudo que você deve saber

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Fala, galera, tudo certo? Hoje vamos conversar sobre a Síndrome Hemolítico Urêmica (SHU), tema com que, em geral, as pessoas criam certo bloqueio, pelo fato de ser uma interface de duas matérias consideradas difíceis na Medicina: Nefrologia e Hematologia. 

Mais do que decorar a tríade clássica da patologia (anemia hemolítica, plaquetopenia e uremia), o ideal é que, ao final da leitura, você entenda os mecanismos da doença, assim ficará mais tranquilo diagnosticar e tratar uma criança que chega no pronto socorro com um quadro clínico de dor abdominal, diarreia sanguinolenta, letargia, exames laboratoriais com acúmulo de escória nitrogenadas. Bora por partes entender essa síndrome?

A importância de se estudar a Síndrome Hemolítico Urêmica (SHU)

Ela é uma das principais causas de Insuficiência Renal Aguda (IRA) em crianças menores de 4 anos. Também é importante lembrar que ela possui uma sazonalidade: a maioria dos casos ocorre nos meses de verão. 

A SHU é uma microangiopatia trombótica, grupo de doenças que tem como representante também a púrpura trombocitopênica trombótica. 

A SHU cursa com anemia hemolítica, mas não é a causa mais comum… acredito que você já tenha ouvido falar sobre a Anemia Falciforme que, geralmente, é a mais comentada entre as anemias hemolíticas. 

Como ela ocorre?

A forma mais comum da doença é associação com diarreia, causada principalmente pela Escherichia Coli produtora de toxina Shiga (STEC), mais especificamente a cepa E. coli O157H7. 

Essa bactéria causa contaminação de água, vegetais, produtos de carne bovina e outros alimentos.  Esse subtipo de bactéria causa principalmente lesão do endotélio capilar, cursando com algumas repercussões: 

  • Anemia hemolítica microangiopática com presença de esquizócitos no sangue periférico, que são “pedaços de hemácias”, devido ao dano mecânico aos glóbulos vermelhos;
  • Trombocitopenia consumptiva pois, os vasos, ao serem lesados, expoem o colágeno subendotelial que, por ser trombogênico, causa agregação, ativação e formação de trombo plaquetário; 
  • Insuficiência Renal em decorrência da obstrução dos capilares renais e redução da filtração glomerular.

É importante lembrar que, por mais que 80% dos casos sejam causados pela E. Coli, outros agentes que podem estar associados ao quadro são: Shigella dysenteriae sorotipo 1, Streptococcus pneumoniae, Salmonella ou Campylobacter. 

Destaque é dado para a SHU associada ao Pneumococo e a SHU Atípica que, em geral, é investigada quando o quadro de Síndrome Hemolítica Urêmica se estende por mais de 2 semanas sem as manifestações clássicas (que veremos abaixo). 

Além disso, temos formas também de SHU hereditária, por mutações em genes do sistema complemento ou do metabolismo da cobalamina – mas aí fica mais complexo… Aqui, vamos focar principalmente na SHU causada pela E.coli produtora de Shiga toxina, que é a forma mais comum. 

Como diagnosticar uma criança com a Síndrome?

Quanto à clínica, geralmente existe um quadro prodrômico de gastroenterite com dor abdominal, náuseas, diarreia sanguinolenta. 

Após 5-10 dias inicia-se, subitamente, a Síndrome Hemolítico-Urêmica, que ocorre em torno de 10-20% dos pacientes, cursando com palidez, irritabilidade, astenia e letargia, podendo evoluir com petéquias e envolvimento de Sistema Nervoso Central. 

Já nos exames laboratoriais, vê-se trombocitopenia, anemia hemolítica microangiopática que manifesta-se através dos esquizócitos em sangue periférico; a insuficiência renal, através de aumento de ureia, creatinina e oligoanúria. Também pode acontecer aumento de marcadores de hemólise: DHL, reticulócitos, bilirrubina indireta.

O aumento de marcadores inflamatórios como proteína C reativa e d -dímero é frequente em pacientes com STEC-SHU. É essencial que a coleta de material fecal para cultura de fezes ou PCR para shigatoxina seja feita precocemente na admissão, pois a positividade diminui após o 10º dia de diarreia e, após 15 dias, 90% dos pacientes apresentam culturas de fezes negativas!

Saiba mais sobre a SHU
Figura 1 – Esquizócitos em esfregaço de sangue periférico. Fonte: https://hematologia.farmacia.ufg.br/p/7042-esquizocitos

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Já sobre Hematologia que, usualmente é considerada difícil, preparamos algumas questões comentadas sobre o tema, para quando aparecer nas provas de residência você gabaritar. 

Mas enfim, recapitulando a tríade da síndrome: após uma gastroenterite por E. Coli ocorre uma lesão endotelial que cursa com anemia hemolítica, trombocitopenia e uremia. 

Tratamento da SHU

Sobre o tratamento eu te proponho uma reflexão: tendo em vista que a desencadeadora dos sintomas é uma enterobactéria produtora de toxina shiga, é necessário utilizar antibioticoterapia no tratamento?

A resposta é: nem sempre! Inclusive, o uso de antibióticos pode cursar com piora do quadro. 

Porém, cuidado para não confundir: na SHU por pneumococo, que é uma outra discussão, é necessário antibioticoterapia, até porque há uma associação temporal com a infecção pneumocócica em outros sítios, como pneumonia ou derrame pleural.

O tratamento é de suporte, já que o quadro é geralmente autolimitado.

Como a criança passou por perdas gastrointestinais, torna-se ainda mais importante garantir uma nutrição adequada e corrigir distúrbios hidroeletrolíticos que eventualmente possam surgir. 

Quanto às transfusões, pode ser necessário realizar transfusão de plaquetas e de hemácias em situações de anemia grave, especialmente com hemoglobina abaixo de 6 g/dL ou que hematócrito está menor que 18%. 

E sobre a Insuficiência Renal Aguda (IRA), quando é necessário realizar diálise?

As indicações de diálise na Síndrome Hemolítica Urêmica seguem o usual de qualquer tipo de IRA: 

Refratariedade: acidose metabólica, Hipervolemia, hipercalemia.

Sinais clínicos de uremia: encefalopatia, pericardite, sangramento. 

Como esses pacientes evoluem?

Uma revisão sistemática mostrou que nenhuma terapia testada até o momento demonstrou um benefício maior do que o tratamento de suporte. 

Uma análise de um surto alemão, que ocorreu em 2011, com mais de 3.000 casos de diarreia e 800 casos de SHU, mostrou que a duração média da diarreia foi de 9,3 dias e a maioria dos pacientes foi internada no hospital na primeira semana após o início da diarreia.

Na evolução da Síndrome Hemolítico Urêmica, a contagem de plaquetas foi a primeira a melhorar (final da primeira semana), seguida de melhora da hemoglobina e queda lenta da lactato desidrogenase. 

A lesão renal aguda levou aproximadamente 2 semanas para regredir, começando com o retorno da diurese e, em seguida, uma queda das escórias nitrogenadas. Cerca de 50% dos pacientes necessitaram de terapia de substituição renal e apenas três dos 160 pacientes eram dependentes de diálise crônica. 

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Bons estudos!

Referências

Palma LMP, Vaisbich-Guimarães MH, Sridharan M, Tran CL, Sethi S. Thrombotic microangiopathy in children. Pediatr Nephrol. 2022 Jan 18:1–14. doi: 10.1007/s00467-021-05370-8. Epub ahead of print. PMID: 35041041; PMCID: PMC8764494.

Keenswijk W, Raes A, De Clerck M, Vande Walle J (2019) Is plasma exchange efficacious in shiga toxin-associated hemolytic uremic syndrome? A Narrative Review of Current Evidence. Ther Apher Dial 23:118–125

Keir LS (2015) Shiga toxin associated hemolytic uremic syndrome. Hematol Oncol Clin North Am 29:525–539

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LuízaCampos de Paula

Luíza Campos de Paula

Fala, pessoal! Eu sou Luíza Campos, fui aluna da Medway a partir de 2018. Sou mineirinha, nascida em Muriaé, interior de MG. Cursei Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Residência em Otorrinolaringologia na USP SP. Amo ter contato as pessoas e um dos meus propósitos de vida é auxiliar as pessoas para que elas possam alcançar o que eu também alcancei: a tão sonhada residência em SP. “Jamais se esqueça de onde veio para não se perder no caminho que o levará aonde quer chegar”.