E aí, pessoal? Como vocês estão? Hoje, vamos falar sobre as Síndromes Hipertérmicas. Em um primeiro momento, vocês podem pensar que o tópico será gigantesco, afinal, temos tantas etiologias para febre, né?
Mas cuidado: a elevação de temperatura corporal pode ocorrer na forma de febre ou hipertermia. Neste texto, vamos focar apenas na hipertermia, ok? Então, bora para a leitura!
A elevação anormal da temperatura corporal pode ocorrer de dois modos: a hipertermia (foco do capítulo de hoje) e a febre. Na hipertermia, há uma falha nos mecanismos de controle térmico, ou seja, a produção de calor excede a dissipação do calor.
Já na febre, o ponto de ajuste térmico no hipotálamo aumenta devido à presença de pirógenos endógenos e exógenos, e os mecanismos de controle térmicos no corpo são mobilizados para elevar a temperatura do corpo até este novo ponto de ajuste.
Essa divisão nos ajuda a diferenciar como tratar cada uma das elevações de temperatura anormal:
Vamos abordar agora as duas principais Síndromes Hipertérmicas que podemos ver em contexto de emergência!
A síndrome neuroléptica maligna é uma emergência neurológica que ocorre em 0,02 a 3% dos pacientes que são tratados com neurolépticos. Acontece, em geral, no primeiro mês da terapia (principalmente nas 2 primeiras semanas).
A SNM é um distúrbio de produção excessiva de calor. A fisiopatologia ainda é desconhecida, mas se acredita que ocorra devido ao bloqueio de receptores dopaminérgicos no trato nigroestriatal, o que culmina em contração exacerbada da musculatura esquelética (com sintomas do tipo parkinsonismo), que acaba por produzir calor excessivo.
Um ponto importante é que a SNM não é decorrente de predisposição genética ou superdosagem medicamentosa, sendo uma reação idiossincrática e de instalação imprevisível! A SNM pode ocorrer após uma dose única ou até mesmo após tratamento com o mesmo agente por muitos anos.
– Rigidez muscular (“rigidez em cano de chumbo”);
– Tremor;
– Coreia;
– Bradicinesia;
– Distonia (refratária a terapia com anticolinérgico)
– Inicial: Agitação e Confusão mental;
– Evolução: Catatonia, Mutismo e Coma;
– Atenção: Sintomas que podem se sobrepor aos sintomas da esquizofrenia.
– Taquicardia;
– Taquipneia;
– Pressão arterial lábil;
– Diaforese;
– Incontinência urinária.
– Leucocitose (até 40.000/mm3 e inclusive com desvio à esquerda);
– Elevação de DHL, FA e transaminases;
– Rabdomiólise.
Critérios Diagnósticos de Síndrome Neuroléptica Maligna(Painel de Consenso de Especialistas) | |
Critério Diagnóstico | Escore de Pontos |
Exposição a agente potencial nas últimas 72 horas | 20 |
Hipertermia (> 38ºC em pelo menos 2 ocasiões com aferição oral) | 18 |
Rigidez muscular | 17 |
Alteração do estado mental (redução ou flutuação do nível de consciência) | 13 |
Elevação dos níveis de creatinina (pelo menos 4 vezes o limite da normalidade) | 10 |
Disautonomias com pelo menos 2 dos seguintes:Pressão arterial elevada (PAS ou PAD > 25% do basal)Pressão arterial lábil (PAD com variação > 20 mmHg ou PAS com variação > 25 mmHg em 24 horas)DiaforeseIncontinência urinária | 10 |
FC aumentada (> 25% do basal) + FR aumentada (> 50% do basal) | 5 |
Rastreio negativo para desordens infecciosas, metabólicas, neurológicas e outras intoxicações | 7 |
Total de pontos = 100 pontos≥ 74 pontos = 69,6% de sensibilidade e 90,7% de especificidade para SNM |
Fonte (adaptado): Gurrera RJ, Caroff SN, Cohen A, et al. An International Consensus Study of Neuroleptic Malignant Syndrome Diagnostic Criteria Using the Delphi Method. The Journal of Clinical Psychiatry, 2017, Feb;37(1):67-71, PMID: 28027111
– Meningite;
– Encefalite;
– Sepse (de qualquer foco).
– Síndrome Serotoninérgica (abordada com mais detalhes abaixo);
– Hipertermia Maligna (abordada com mais detalhes ao final);
– Retirada de relaxante muscular (desmame rápido de baclofeno intratecal);
Intoxicação por agentes simpaticomiméticos ou anticolinérgicos;
Intoxicação por Lítio.
– AVC de tronco cerebral e gânglios da base;
– Estado epiléptico não convulsivo;
– Parkinsonismo;
– Efeito colateral extrapiramidal de medicações.
Assim, é sempre preciso solicitar TC de crânio e considerar coleta líquor para diagnóstico.
– Exceção: se suspensão de terapia dopaminérgica, reintroduzir.
– Monitorização hemodinâmica;
– Manejo de rabdomiólise;
– Correção de distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-básicos.
– Resfriamento físico na fase aguda da doença.
Exemplo: Soro fisiológico gelado em contato com axilas!
Atenção: orientação baseada em relatos de casos e experiência clínica, sem dados vindos de clinical trials.
Controle de Agitação = Benzodiazepínicos.
Opções:
– Lorazepam 1 – 2 mg EV de 4/4 horas ou 6/6 horas;
– Diazepam 10mg EV de 8/8 horas.
Além de controle de agitação, promovem relaxamento muscular.
Dantrolene: o Dantrolene é um relaxante muscular indicado em casos graves ou em caso de ausência de melhora com medidas de suporte e BZD. As doses são:
– 1 – 2,5 mg/kg EV;
– Repetir até dose máxima de 10 mg/kg/dia.
Eficácia (em modelo animal):
– Redução da produção de calor;
– Redução da rigidez;
– Redução dos níveis de CPK.
“Por quanto tempo?” Isso também é questionável… Algumas fontes recomendam continuar a medicação por 10 dias e depois de uma redução lenta para minimizar a recaída.
Cuidado: risco de hepatotoxicidade com uso de Dantrolene.
Com o uso mais frequente de inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) e outros agentes serotoninérgicos, a síndrome serotoninérgica tornou-se mais prevalente.
Essa síndrome ocorre pelo aumento da atividade da serotonina no SNC, sendo que o início dos sintomas surge de 2 a 24 horas após início ou aumento de dose do agente serotoninérgico.
Com o uso terapêutico de tais medicações, a incidência de sintomas de síndrome serotoninérgica foi de 0,4 casos em 1000 tratamentos (Mackay et al. 1999), enquanto que em casos de doses supraterapêuticas, 17% dos pacientes apresentaram sintomas moderados a severos da síndrome serotoninérgica e 0,2% vieram a óbito (Watson et al., 2005). A SS ocorre em cerca de 5 semanas após ajuste de doses.
– Tremor;
– Hiperreflexia;
– Hipercinesia;
– Clonus;
– Mioclonias oculares (movimentos oculares lentos, contínuos e horizontais).
– Hipertermia;
– Hipertensão;
– Taquicardia;
– Taquipneia;
– Vômitos;
– Diarreia;
– Midríase.
– Ansiedade;
– Agitação;
– Alucinações;
– Confusão mental.
A característica clínica que mais auxilia no diagnóstico de síndrome serotoninérgica é o achado neuromuscular de clônus. O clônus é induzível em síndromes mais leves, tornando-se espontâneo em maiores graus de toxicidade e podendo desaparecer devido à rigidez quando a toxicidade é profunda.
– Fentanil;
– Trazodona;
– Meperidina.
– Bromocriptina;
– Levodopamina;
– Lítio.
– Tramadol;
– Bupropiona.
O diagnóstico de Síndrome Serotoninérgica é clínico. Foram propostos os seguintes critérios abaixo (Critérios de Hunter) para não deixar passar um diagnóstico de Síndrome Serotoninérgica:
O diagnóstico de Síndrome Serotoninérgica é clínico. Foram propostos os seguintes critérios abaixo (Critérios de Hunter) para não deixar passar um diagnóstico de Síndrome Serotoninérgica.
– Clônus espontâneo;
– Clônus induzido + agitação ou diaforese;
– Clônus ocular + agitação ou diaforese;
– Tremor e hiperreflexia;
– Temperatura > 38ºC com hipertonia + clônus ocular ou clônus induzido.
– Remoção de agentes serotoninérgicos;
– Suporte clínico;
– Sedação com benzodiazepínicos;
– Administração de antagonistas de serotonina.
A descontinuação da medicação, suporte e sedação com BZD é o suficiente, com melhora do quadro clínico em aproximadamente 24 horas (a depender da meia-vida do agente serotoninérgico). Além disso, não se utiliza antipiréticos, pois o aumento da temperatura corporal não é por alteração do set-point.
– Oxigenioterapia;
– Administração de fluidos;
– Monitorização hemodinâmica.
A agitação psicomotora culmina em contrações musculares importantes, levando à acidose láctica e hipertermia. Dessa forma, é feita contenção química, optando-se, em geral, pelos benzodiazepínicos. Então, qual BZD escolher?
O diazepam prolonga a sobrevivência em um modelo de rato com síndrome serotoninérgica, mas nenhum agente específico foi estudado em humanos. As opções de BZD são Lorazepam 2 a 4 mg EV e Diazepam 5 a 10 mg EV;
As doses de BZD podem ser repetidas a cada 8 a 10 minutos, com base na resposta do paciente.
Importante: evitar haloperidol em controle de agitação, pois devido aos efeitos anticolinérgicos, há inibição da sudorese e da dissipação do calor corporal, piorando o quadro hipertérmico!
O manejo da disautonomia pode ser difícil, justamente porque os pacientes com intoxicação grave têm a chance de sofrer rápidas alterações na pressão arterial e na frequência cardíaca.
Se houver paciente com hipertensão grave e taquicardia, prefere-se agentes como Esmolol ou Nitroprussiato, por serem mecanismos de curta ação (evitar agentes com ação prolongada).
Já em contexto de hipotensão, devemos preferir baixas doses de simpaticomiméticos de ação direta, como Norepinefrina, Epinefrina e Fenilefrina.
O controle da hipertermia é essencial para terminar com a atividade contrátil muscular excessiva e, sem controle eficaz, pode minimizar complicações graves como convulsões, CIVD, hipotensão, taquicardia ventricular e acidose metabólica. As medidas são:
– Resfriamento corporal (medidas externas);
– Se temperatura superior a 41,1ºC, a necessidade de sedação imediata, IOT e uso de bloqueador neuromuscular.
Em caso de IOT, é preferível o BNM não despolarizante, como o rocurônio. Além disso, evita-se Fentanil devido ao efeito inibitório na recaptação de serotonina, podendo piorar o quadro de Síndrome Serotoninérgica.
Se persistência da agitação e se não houver melhora hemodinâmica com BZD e suporte, é sugerido terapia com o antídoto ciproheptadina (Graudins et al. Treatment of the serotonin syndrome with cyproheptadine, J Emerg Med 1998). Entretanto, faltam evidências definitivas da eficácia de tal medicação.
A ciproheptadina é um antagonista do receptor de histamina-1 com propriedades antagônicas inespecíficas de serotonina (5-HT1A e 5-HT2A) e também possui atividade anticolinérgica fraca. Se essa medicação estiver disponível, utiliza-se comprimidos de 4mg VO. A dose inicial recomendada é de 12mg seguida de 2mg a cada 2 horas, até que haja melhora clínica.
Casos com quadro moderado necessitam de maior controle de disautonomia e, em caso de disponível tratamento com antagonista de serotonina (a ciproheptadina), esta deve ser fornecida. Em geral, sua administração gera hipotensão transitória por reversão dos aumentos do tônus vascular mediados pela serotonina, sendo uma hipotensão responsiva a volume.
Agora que você já está fera nas síndromes hipertérmicas, que tal continuar ampliando seus estudos? Afinal, você nunca sabe o que te espera no próximo plantão, não é mesmo? Então, fique ligado!
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Residência em Clínica Médica no Hospital das Clínicas da FMUSP. Graduação em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Intercâmbio acadêmico em estágio de pesquisa científica na Harvard Medical School/Brigham and Women's Hospital. Experiência como Médica-Preceptora da Disciplina de Emergências Clínicas da FMUSP.