Opa, pessoal, tudo bem? Imagine a seguinte situação: você pede um eletrocardiograma para seu paciente e vem com achados sugestivos de sobrecarga de ventrículo direito (VD). E aí, iria saber o que fazer? Vamos abordar esse tema para você não ter medo de laudar sobrecarga de VD e diagnosticar as principais causas por trás dessa alteração!
Bora lá?
O Ventrículo Direito (VD) é como a gente em certos momentos, ele surta com sobrecargas
de trabalho, sendo que, no caso do VD, é em relação à sobrecarga de volume e/ou de pressão.
Em condições normais, o trabalho sistólico realizado pelo VD corresponde a
1/6 do trabalho sistólico do Ventrículo Esquerdo (VE). A circulação pulmonar é um leito vascular de alta complacência e baixa resistência, que acomoda um grande volume de fluxo sanguíneo com aumento mínimo de pressões em condições normais.
Dessa forma, o VD normalmente ejeta sangue a uma pressão muito baixa, em comparação com o VE, cujas paredes são muito mais espessas.
A maioria das etiologias que levam à disfunção de VD tem como fisiopatologia a sobrecarga de pressão ou sobrecarga de volume. Entretanto, podemos também ter condições que afetam diretamente o miocárdio de ventrículo direito, (como cardiopatia isquêmica e cardiomiopatia) também culminando em sobrecarga do VD.
O Ventrículo Direito não é pré-condicionado a lidar com sobrecargas, tal como Ventrículo Esquerdo. Por esse motivo, aumentos agudos da Pressão da Artéria Pulmonar, como o
causado pelo tromboembolismo pulmonar (TEP), podem precipitar o famoso COR PULMONALE, com consequente choque cardiogênico, pois o VD não consegue gerar pressão suficiente para manter a perfusão pulmonar.
Já com os aumentos crônicos e sustentados na Pressão da Artéria Pulmonar, há um remodelamento do VD que permite a manutenção do fluxo para a circulação pulmonar, apesar do aumento da pós-carga do VD. Com o tempo, a hipertrofia do VD progride e se torna mal adaptada, gerando dilatação do VD e disfunção miocárdica.
Com o aumento dos volumes do VD, há dilatação do aparelho valvar tricúspide, culminando em regurgitação tricúspide funcional. Isso aumenta ainda mais a carga de volume no átrio direito e no VD, promovendo maior dilatação e aumentando a gravidade da regurgitação tricúspide (um ciclo vicioso).
A dilatação do VD aumenta o volume total cardíaco, mas o tamanho total cardíaco é limitado pela presença do pericárdio, sendo que é justamente a restrição do pericárdio que gera equalização das pressões diastólicas nas câmaras direitas e esquerdas do coração.
Como o VD e o VE compartilham as fibras musculares do septo interventricular, a disfunção do VD pode deslocar o septo da direita para a esquerda, comprometendo o enchimento do VE (o que gera pressões no VE muito elevadas).
Mas ok, e o que tudo isso gera?
Ao haver função sistólica do VD prejudicada (aumento da pós-carga e VD disfuncional), aumento da regurgitação pela valva tricúspide e o enchimento do VE prejudicado, acontecerá como resultado uma redução do volume sistólico e do débito cardíaco.
Isso gera ativação neuro-hormonal com retenção de água e sódio, causando sobrecarga volêmica e piora da disfunção miocárdica, com sinais de congestão pulmonar e sistêmica (para o nosso desespero!).
Quando o paciente apresenta disfunção de ventrículo direito (tanto aguda quanto crônica), ocorre a síndrome clínica caracterizada por Insuficiência Cardíaca Direita.
Atenção: pode haver ortopneia e dispneia paroxística noturna, mas são mais relatados em pacientes com insuficiência cardíaca biventricular.
Neste tópico, iremos abordar as etiologias mais comuns em um cenário de emergência.
Tromboembolismo Pulmonar (TEP): o Tromboembolismo Pulmonar é resultante da
oclusão da circulação arterial pulmonar por êmbolos, o que gera um aumento da pós-carga ao VD. Quando pensar na hipótese diagnóstica de TEP?
Nestes casos, pode ocorrer síncope e colapso cardiovascular, pois há uma redução súbita do débito cardíaco e do fluxo sanguíneo cerebral. Estes sinais ocorrem, principalmente, por falência aguda do VD, baixo débito cardíaco e distúrbio ventilação-perfusão.
Distúrbios Respiratórios Crônicos: doenças respiratórias crônicas, principalmente na sua forma grave, podem evoluir com Hipertensão Pulmonar, culminando em sobrecarga pressórica do VD.
No nosso dia a dia, lidamos principalmente com a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), mas existem outras etiologias, como as doenças intersticiais pulmonares e Apneia Obstrutiva do Sono.
Hipertensão Pulmonar (HP): ocorre quando a pressão média nas artérias pulmonares fica acima de 25mmHg.
Vamos aproveitar esse tópico e relembrar os tipos de Hipertensão Pulmonar? Podemos utilizar o mnemônico AEIOU para facilitar a memorização.
Tipos de Hipertensão Pulmonar (HP) | Mnemónico | Causas |
HP tipo 1 → Hipertensão Arterial Pulmonar | A = Arterial | IdiopáticaColagenoses (esclerose sistêmica elúpus)Infecção pelo HIV |
HP tipo 2 → Hipertensão Pulmonar pordoença cardíaca esquerda | E = Esquerda | Disfunção ventricularsistólica / diastólicaDoenças valvares (estenose mitral) |
HP tipo 3 → Hipertensão Pulmonar devido doença pulmonar / hipóxia | I = Interstício | Doença Pulmonar Obstrutiva CrônicaDoenças intersticiais pulmonaresDistúrbios de hipoventilação |
HP tipo 4 →Hipertensão Pulmonar por tromboembolismo crônico | O = Obstrução | Tromboembolismo crônicoObstrução de artérias pulmonares |
HP tipo 5 → Hipertensão Pulmonar poretiologia multifatorial | HP tipo 5 → Hipertensão Pulmonar poretiologia multifatorial | Anemia hemolítica crônicaSarcoidose |
E só para ficar claro: Para usa o termo Cor Pulmonale, as alterações do VD devem ser
causadas por um distúrbio primário do sistema respiratório (como a Hipertensão Pulmonar).
As etiologias incluem shunts da esquerda para a direita no nível atrial ou acima. As causas dessa condição, em suma, são:
Sempre se deve avaliar a presença de infarto de VD se houver infarto de parede inferior. Além disso, para diagnosticar, devemos pedir ECG com as derivações precordiais direitas
(V3R e V4R), observando o supra-ST nessa topografia.
As cardiomiopatias que acometem o VD são menos comuns, porém são causa
importante de morbimortalidade. Uma das mais conhecida é a cardiomiopatia arritmogênica do VD, cujo diagnóstico é uma combinação de achados de exames de imagem, biópsia,
ECG (alterações de repolarização) e presença de história familiar. Além disso, a disfunção de VD pode ocorrer na cardiomiopatia dilatada.
A avaliação de ventrículo direito é um componente fundamental na avaliação clínica de inúmeras doenças cardiovasculares e pulmonares. Damos ênfase para pacientes com
condições clínicas associadas à disfunção do VD, como foi abordado no tópico de etiologias (por exemplo, em pacientes com hipertensão pulmonar, TEP e infarto de VD).
– Presença de desvio do eixo para a direita:
Eixo entre + 90º e + 180º → Positivo em avF e Negativo em D1.
– Presença de desvio do eixo para frente:
QRS positivo em V1.
– Onda S profunda em V5/ V6 ≥ 7mm.
– Onda R dominante em V1/V2.
– Alteração de repolarização – strain de VD.
– Pode estar presente.
– Estímulo percorre primeiro o ramo esquerdo, despolarizando o septo esquerdo
e a parede livre do VE, para depois despolarizar o VD. Após a ativação normal
de VE, há a despolarização tardia e anômala de VD, que origina um vetor tardio
e lento e desvia o eixo para frente e em direção ao VD.
Resumindo: no BRD temos, no que tange à porção inicial do QRS, a despolarização do VE, com orientação espacial normal e morfologia estreita. Já na porção final do QRS, temos despolarização de VD, com onda lenta e direcionada para VD.
– Características:
Duração QRS: ≥ 0,12 segundos;
V1: Morfologia em M (rSR’):
* Componente rS: VE//Componente R’ (alargado): VD;
* QRS positivo em V1;
* Onda T invertida;
V6: S profunda.
– Fibrilação atrial:
É um achado comum, porém muito inespecífico.
O Ecocardiograma POCUS é o exame fundamental para avaliar a estrutura e a função do VD no contexto da emergência ( lembrando que esse exame não substitui o ECOTT/ECOTE, que serão importantes no seguimento longitudinal do paciente).
Os achados que podem ser notados nos qua dros de disfunção de ventrículo direito são:
O ultrassom permite a detecção confiável de VD severa ou moderadamente dilatado,
pois nestas situações o VD frequentemente excede o tamanho do VE. É bem mais difícil diferenciar um VD “normal” de “anormal” quando a dilatação é leve. Em casos mais leves, os parâmetros quantitativos são muito importantes.
O VD possui formato triangular em visão frontal e lateral, e em crescente no corte transverso, além de possuir uma trabeculação proeminente. Tudo isso foi para dizer que, ao contrário do VE, não existe um modelo geométrico para avaliar o volume do VD através de aferições 2D, sendo o volume do VD subestimado nas aferições.
É o famoso “efeito Berheim reverso”.
A cavidade do ventrículo esquerdo fica semelhante a letra “D”.
O uso do TAPSE para avaliar a função do VD baseia-se no fato de que quando a função do VD se encontra normal, há um deslocamento do anel tricúspide em direção ao ápice do VD na sístole e esse deslocamento é avaliado no ecocardiograma.
Para calcular, usamos a janela apical 4 câmaras e aplicamos o modo M do ultrassom e colocamos o cursor em cima da porção lateral do anel tricúspide. Isso mostra a curva do modo M em formato de ondas (representando a sístole e a diástole). Nesse ponto, você vai medir a deflexão positiva (a corcova). Se o valor foi inferior a 15 mm (algumas referências usam o corte de 18mm), a função do VD está comprometida.
Presença de regurgitação de valva tricúspide.
Colapsibilidade da veia cava inferior.
Agora nós já sabemos como identificar sobrecarga de VD e as principais etiologias no pronto-socorro! O tratamento dependerá da causa base do distúrbio. Abaixo, está resumido a forma de tratamento no PS das principais etiologias abordadas anteriormente (são apenas highlights, afinal, cada um dos tópicos merece um tema para chamar de seu).
– TEP de alto risco (TEP maciço):
Trombólise, se ausência de contraindicação + Anticoagulação parenteral.
– TEP risco intermediário alto e intermediário baixo:
Anticoagulação parenteral.
– TEP risco baixo:
Anticoagulação oral.
– Antibioticoterapia;
– Broncodilatador;
– Corticoide;
– Dar oxigênico (alvo de SatO2 88 – 92%).
– Medidas Gerais:
Oxigênio se pO2 < 60 mmHg e/ou SatO2 < 90%;
Diureticoterapoa;
Nifedipino ou Diltiazem.
– Tratamento conforme tipo de Hipertensão Pulmonar:
HP tipo 1: Inibidores da PDE5 (fosfodiesterase, por exemplo);
HP tipo 2: Tratar a cardiopatia (diurético, vasodilatador, etc.);
HP tipo 3: Tratar a doença pulmonar (O2, broncodilatador, corticoide, etc.);
HP tipo 4: Anticoagulação plena;
HP tipo 5: Tratar doenças de base.
– Otimização de pré-carga (infusão de cristaloide – 1 a 2 litros);
– Redução de pós-carga;
– Medidas para melhorar contratilidade do VD: se não aumentar débito cardíaco com reposição volêmica devemos introduzir inotrópicos, como a dobutamina;
– Terapia de reperfusão (trombólise e/ou cateterismo).
É isso, pessoal! Esperamos que tudo tenha ficado claro e que você tenha compreendido o conteúdo!
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Entendeu tudo sobre a sobrecarga de ventrículo direito? Então, confira outros conteúdos que publicamos aqui no blog. Eles foram feitos especialmente para você mandar bem no seu plantão e ficar por dentro dos mais variados assuntos. Pra cima!
Residência em Clínica Médica no Hospital das Clínicas da FMUSP. Graduação em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Intercâmbio acadêmico em estágio de pesquisa científica na Harvard Medical School/Brigham and Women's Hospital. Experiência como Médica-Preceptora da Disciplina de Emergências Clínicas da FMUSP.