Thunderclap Headache: Como abordar Cefaleia em Trovoada e diagnósticos diferenciais

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Se você já estudou cefaleia ou teve alguma aula sobre esse tema na sua vida, com certeza já ouviu falar sobre a manifestação clássica da Hemorragia Subaracnóidea Aguda (HSA), chamada thunderclap headache ou cefaleia em trovoada – a tão falada “pior cefaleia da vida”. 

E não é por menos… a suspeita dessa patologia deve sempre te sondar nos seus plantões quando atender qualquer paciente com cefaleia, pois é extremamente grave – mas tratável. 

No entanto, você sabe definir o que é uma thunderclap headache? E se for mesmo thunderclap headache e você não encontrar uma HSA, o que mais pode ser? Caso não saiba as respostas para essas perguntas, dá uma lida nesse artigo, pois vamos esclarecer tudo pra você baseado num caso clínico!

Então vamos direto ao caso!

Bom, vamos supor que você chega no seu plantão e há duas pacientes com cefaleia para atender:

– Paciente 1: a primeira paciente é uma mulher de 28 anos, sem comorbidades e sem episódios de cefaleia prévios, recém-diagnosticada com Transtorno de Ansiedade Generalizada, em uso de  Fluoxetina há 1 mês, queixando-se de cefaleia há 6 horas. Você pergunta: “senhora, essa dor de cabeça é leve, moderada ou forte?”, e ela responde: “é a pior dor de cabeça que eu já senti na vida!”.

– Paciente 2: logo após, entra no seu consultório uma mulher de 38 anos, com história de vários episódios enxaqueca com necessidade de idas frequentes ao PS para analgesia EV, em uso de Nortriptilina há vários meses, queixando-se de cefaleia há 6 horas… e então você faz a mesma pergunta, que ela responde da mesma maneira: “é a pior dor de cabeça que eu já senti na vida!”.

E aí… isso basta para classificá-las como thunderclap headache? Você tem as informações necessárias para isso? As condutas seriam iguais para as duas no PS? É bastante coisa pra se pensar!

Nesse caso, como proceder? 

Bom, você já deve ter atendido algum paciente com cefaleia de forte intensidade na sua prática. É muito frequente que esses pacientes se refiram a esse episódio como o pior de suas vidas. É claro que você deve levar em consideração esse tipo de queixa (cefaleia intensa e pior da vida), mas se você souber tirar alguns dados essenciais da história desses pacientes, você pode entender melhor a apresentação clínica, criar uma hipótese diagnóstica, tratar adequadamente e prevenir a realização de exames desnecessário. E isso é muito mais importante do que levar em consideração apenas o termo “pior dor da vida”, como geralmente vejo na minha prática. Vou te mostrar de forma objetiva como abordar esses pacientes.

O primeiro passo é caracterizar a cefaleia e buscar por red flags.

Começamos com a definição de thunderclap headache: é uma cefaleia súbita, de muito forte intensidade, explosiva (como um trovão, como o próprio nome indica), que atinge a intensidade máxima desde o início. Ah! Mas o que é considerado “início”? Teoricamente, o início seria o primeiro minuto da dor – ou seja, a dor atinge intensidade máxima em até 1 minuto após começar

Obs.: é claro que aqui levamos em consideração como o paciente conta a história e não ficamos “cronometrando” esse minuto – além disso, alguns pacientes podem atingir o pico da dor ao longo de vários minutos e ainda assim se encaixarem no diagnóstico. 

Como é na prática?

Como exemplo, vou contar um caso que já atendi (paciente 1) durante a residência de uma paciente com thunderclap headache, descrevendo o seu relato de como foi a instalação da dor, com as seguintes palavras: 

“Dr, eu acordei bem, levantei da cama e tomei café da manhã. Enquanto eu escovava os dentes olhando para o espelho¹ senti uma dor muito forte em toda a minha cabeça, já muito intensa desde o início, como uma martelada muito forte². Isso me fez soltar um grito e logo depois tive muitas náuseas e um episódio de vômito. Já tive enxaqueca várias vezes, mas com certeza essa foi a pior dor da minha vida³.”

Vale ressaltar alguns pontos desse relato: 

  1. Repare que a paciente lembra EXATAMENTE o momento de instalação da dor – isso é uma característica marcante. Esses pacientes se recordam do momento exato da dor: a hora, o que estava fazendo no momento, o que tinha acabado de fazer etc. E nesse caso especificamente, eu avaliei a paciente 1 mês após o ocorrido, e ela ainda assim contou dessa maneira – foi marcante para ela!
  2. Frequentemente pacientes com thunderclap headache mencionam que a dor muito intensa se assemelha a uma “martelada” ou uma “facada” súbitas, podendo ser holocraniana ou localizada. 
  3. Por fim, a menção de “pior da vida” não poderia faltar.

Agora que você já sabe identificar uma thunderclap headache, vamos voltar para a paciente 2 (aquela com enxaqueca prévia e cefaleia “pior da vida”). Você retirou a história dela, certificou-se que ela fecha os critérios de enxaqueca e ela te relatou o seguinte:

“Dr, há 2 dias venho me sentindo mais irritada e comendo tudo que vejo pela frente¹. Geralmente minha enxaqueca começa assim, e até achei que fosse ela. Ontem pela manhã acordei com dor², igualzinha a que sempre tive. Começou leve, mas foi piorando ao longo do dia, até que à noite ela estava moderada. Tomei diversos analgésicos para conseguir dormir, com pouca melhora. Hoje acordei ainda com dor, e durante a tarde ficou de forte intensidade… ela foi piorando gradualmente desde ontem³. Como nunca senti crise de enxaqueca tão forte assim, decidi vir ao PS”. Aí você pergunta: “é a pior dor de cabeça da sua vida?”. E ela confirma: “É sim Dr!”⁴.

Agora vamos destrinchar esse relato:

  1. Crises de enxaqueca começam com pródromos, então procure isso na história de pacientes com enxaqueca prévia. Isso pode te ajudar ao atender esses pacientes no PS.
  2. A dor começou de leve intensidade = isso não tem como ser uma thunderclap headache.
  3. Piora gradual da dor = não tem como ser uma thunderclap headache.
  4. Cuidado para não sugestionar seus pacientes e se apegar apenas a essa frase! Reforço aqui: é claro que você tem que valorizar toda pior cefaleia da vida, mas mais importante do que isso é você caracterizar a dor de cabeça para criar uma hipótese diagnóstica e investigar adequadamente. Se não, você só acaba aumentando o risco de exames desnecessários.

Diagnósticos diferenciais da thunderclap headache

Agora que você já sabe identificar uma thunderclap headache, vamos falar dos seus diagnósticos diferenciais. É muito importante você conhecer essa lista porque eventualmente, no seu plantão, pode chegar um paciente com esse tipo de cefaleia – e, se descartada HSA, há muitas outras patologias potencialmente graves a serem descartadas.

As duas causas mais comuns de thunderclap headache são HSA e Síndrome da Vasoconstrição Cerebral Reversível (SVCR – também conhecida como Síndrome de Call-Fleming).

  1. Hemorragia Subaracnóidea (HSA): aproximadamente 50% dos pacientes com HSA se apresentam com thunderclap headache, geralmente com outros achados associados, como: alteração do nível de consciência, sinais meníngeos, náuseas e/ou vômitos. Uma boa parte dos pacientes com HSA podem apresentar uma cefaleia semelhante dias a semanas precedendo a ruptura do aneurisma, chamada cefaleia sentinela – acredita-se que seja por um pequeno vazamento de sangue pelo aneurisma, limitado. Alguns pacientes iniciam a dor durante manobra de Valsalva, atividade física ou atividade sexual. Vale lembrar também de perguntar sobre os fatores de risco para HSA (tabagismo, histórico familiar, doenças do colágeno, história de HSA prévia…).
  2. Síndrome da Vasoconstrição Cerebral Reversível (SVCR): essa síndrome engloba um grupo de condições que cursam com estenoses arteriais segmentares dos vasos intracranianos. Quando suspeitar? Especialmente quando há recorrência de thunderclap headache ou um episódio de thunderclap headache associado a AVC de fronteira vascular ou edema cerebral vasogênico. Frequentemente as crises de cefaleia são desencadeadas por atividade sexual, exposição ao frio ou ao calor, uso de drogas ilícitas, medicações (especialmente Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina – ISRS – como a nossa paciente 1, que havia iniciado recentemente o uso de Fluoxetina!), período pós-parto, entre outros. O diagnóstico é feito com a demonstração de estenoses arteriais pelo estudo de vasos (AngioTC, AngioRM ou Arteriografia convencional),  tipicamente com o achado chamado “sausage on a string” – estenoses sequenciais intercaladas por dilatações (figura abaixo). O tratamento é de suporte e o prognóstico é bom. Essas estenoses se resolvem ao longo de semanas sem tratamento específico.
Figura: estenoses sequenciais intercaladas por dilatações na SVCR
Figura: estenoses sequenciais intercaladas por dilatações na SVCR

Outras causas menos comuns de thunderclap headache são:

  1. Trombose Venosa Cerebral (TVC): o sintoma mais comum da TVC é a cefaleia. Porém, ela geralmente se apresenta de forma subaguda. Numa minoria dos casos pode ser em trovoada, indistinguível da cefaleia da HSA.
  2. Dissecção arterial: lembrar de dissecção arterial especialmente se a cefaleia for precedida ou acompanhada dor cervical.
  3. Meningite: especialmente associada a febre, mal estar geral, sintomas sistêmicos… Tanto agentes bacterianos como virais são associados à thunderclap headache.
  4. Síndrome de hipotensão intracraniana espontânea: a dica aqui é – cefaleia ORTOSTÁTICA, parecida com aquela da pós-punção lombar! Ou seja, o paciente em ortostase tem dor importante, e quando ele se deita há melhora muito importante da dor. A causa mais comum dessa patologia é uma fístula dural (defeito na dura-máter) com consequente vazamento de líquor.
  5. AVC: raro, mas pode ocorrer. Então, procure por sinais focais!
  6. Síndrome da Encefalopatia Posterior Reversível (PRES): doença que geralmente cursa com cefaleia, alterações visuais, crise convulsiva e alteração do nível de consciência. É associada à crise hipertensiva, pré-eclâmpsia, imunossupressores e diversas outras condições clínicas.
  7. Apoplexia hipofisária: decorrente da isquemia ou hemorragia da hipófise em pacientes com história de adenoma hipofisário.

Quanta coisa! Como lembrar de tudo isso?

Tendo em vista essa lista de etiologias estruturais, vasculares e infecciosas, fica fácil agora pensarmos em como investigar esses casos, não?! Mas caso tenha sido muita informação pra você que está no PS, segue o esquema:

  1. Comece com TC Crânio ? se demonstrar HSA, o diagnóstico está fechado!
  2. Se TC Crânio normal ? ainda pode ser HSA. Então proceda para a coleta de líquor.
  3. Se TC e LCR normais ? faça um estudo de vasos intra e extracranianos. Ora, como vocês viram, as causas vasculares podem ser intracranianas (SVCR, TVC) e extracranianas (dissecções arteriais).

Dependendo do resultado desses exames, você vai pensar em progredir a investigação com RM, Arteriografia ou outros exames específicos. Porém, para dar conta de uma thunderclap headache no PS, basta ter lido este artigo!

Então agora você não vai ter mais dúvida sobre como tirar a história da cefaleia “pior da vida”, definir o que é uma thunderclap headache e quais dados são essenciais para construir hipóteses diagnósticas adequadas nesses casos.

Aliás, se você quiser tirar outras dúvidas sobre situações que podem aparecer no seu plantão no pronto-socorro, dá uma olhada no nosso e-book O que você precisa saber antes de dar plantão em um lugar novo. Aproveita e segue a gente no nosso Instagram! Lá a gente dá várias dicas pra você aprender a conduzir casos graves com segurança.

Espero que tenham gostado! Abraço e até mais! 

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Caio Disserol

Paranaense nascido em 1990. Formado pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) de Curitiba em 2014. Residência em Neurologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Palo (HCFM-USP), concluída em 2019. No HCFM-USP, experiência como preceptor dos residentes entre 2019-2020. Concluiu um fellowship em Neuroimunologia em 2021. Experiência como médico assistente do departamento de Neuropsiquiatria do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR). "As doenças são da antiguidade e nada se altera sobre elas. Somos nós que mudamos na medida em que estudamos e aprendemos a reconhecer o que antes era imperceptível."