O tratamento da hemorragia intraparenquimatosa é um tópico mais específico da prática médica com que muitos não têm contato frequente. Apesar disso, o conhecimento sobre o assunto deve estar de prontidão para as medidas iniciais serem tomadas adequadamente, pelo menos.
Normalmente, o contato com os pacientes de hemorragia intraparenquimatosa é menor, pois há indicação para todos serem manejados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) que possuam experiência com neurointensivismo, disponibilidade de neurologistas clínicos, neurocirurgiões e neuroimagem. Ainda assim, vamos ajudar você a entender os cuidados tomados!
Locais típicos de hemorragia intraparenquimatosa: (a) putamen, (b) talamo, (c) subcortical de substância branca, (d) ponte, (e) cerebelo e (f) hemorragia lobar. Imagem disponível aqui.
Conforme dito anteriormente, o primeiro passo é solicitar a transferência do paciente de hemorragia intraparenquimatosa cerebral para uma UTI com suporte neurointensivo, mas vamos abordar o manejo inicial na emergência.
Para o tratamento da hemorragia intraparenquimatosa, é importante entender que o crânio é uma caixa não expansível que, basicamente, possui três componentes: (1) sangue/vasos, (2) líquor e (3) parênquima encefálico.
A grande preocupação médica é que o aumento abrupto de um desses compartimentos eleva a pressão intracraniana (PIC) e gere complicações graves, como herniações, convulsões, rebaixamento de nível de consciência, compressão de estruturas nobres e coma.
Nesse caso, você lida com o aumento abrupto do sangue no crânio, que possui um risco de 25% de expansão na primeira hora do evento e até 50% de reexpansão nas horas subsequentes.
Há mais um insight nesse momento: o paciente deve ser observado nas primeiras horas após o evento, pois há grande risco de deterioração neurológica em decorrência da persistência do sangramento.
A abordagem aguda consiste em suporte intensivo (hemodinâmico, respiratório, hidroeletrolítico), bem como controle dos três componentes citados anteriormente, sendo que o primeiro (sangue) possui maior atenção nesse cenário.
Para entender o que é hemorragia intraparenquimatosa, existem duas etiologias principais no caso de HIP: hipertensão e angiopatia amiloide. É importante ter isso em mente, pois o controle do sangramento vai ocorrer, basicamente, por meio do controle/reversão de medicamentos que aumentam o risco de sangramento e pressão arterial, caso esteja elevada.
Nos pacientes, é mandatória a interrupção imediata de qualquer anticoagulante e antiplaquetário. Em caso de uso, reversores desses medicamentos são utilizados visando à minimização da continuidade do sangramento e ao risco de re-expansão. Os principais reversores utilizados, a depender do remédio, são:
Em algum momento, você pode ter se perguntado: e o ácido tranexâmico? Por ser usado no trauma com choque hemorrágico importante, podia ser que funcionasse aqui, não é mesmo? Infelizmente, o uso rotineiro de ácido tranexâmico nos pacientes não mostrou benefício, bem como a transfusão rotineira de plaquetas.
A pressão arterial elevada mantém o ciclo de expansão da hemorragia, aumentando o risco de hipertensão intracraniana (HIC), complicações decorrentes dela e, consequentemente, prognóstico do paciente. Por isso, é mandatório o manejo da PA com uso de anti-hipertensivos intravenosos e não dar captopril sublingual ou medicamentos via oral.
O monitoramento invasivo da PA deve ser considerado em todos os pacientes. As evidências mostram que a redução intensiva da PA nos pacientes é segura e viável, objetivando um alvo seguro para evitar o risco de isquemia cerebral na contramão.
Afinal, qual anti-hipertensivo usar? As diretrizes e os autores brasileiros advogam o uso do nitroprussiato de sódio (NPS). De fato, ele é um bom agente anti-hipertensivo intravenoso, com meia-vida muito curta e fácil titulação. Contudo, os autores americanos advogam que o uso de NPS ou nitroglicerina pode aumentar a pressão intracraniana (PIC), preferindo nicardipina ou labetalol.
Ao falar do risco dos pacientes evoluírem com aumento de PIC, hipertensão intracraniana, herniação e coma, alguns podem ter pensado na possibilidade de instalar um cateter para monitorar a PIC, mas isso não deve ser feito.
As indicações formais para instalação de monitor de PIC são: pacientes com exame físico não confiável (déficit basal grave, sedação importante, glasgow ≤ 8), sinais de herniação transtentorial, lesões de linha média e risco/desenvolvimento de hidrocefalia.
Caso você tenha indicação e instale um monitor de PIC, o alvo vai ser manter PIC < 20 mmHg, objetivando pressão de perfusão cerebral (PPC) de 50-70 mmHg. Lembre-se que: PPC = pressão arterial média (PAM) – PIC.
Antes de instalar um monitor, outra possibilidade de monitorização da PIC, até mais difundida atualmente, é a realização de USG de nervo óptico, que pode ocorrer à beira leito. Achados de bainha de nervo óptico maiores que 5 mm estão relacionados com hipertensão intracraniana.
O risco de aumento da PIC é maior nos primeiros dias, pois o risco de re-expansão da hemorragia também é maior. Tal crescimento ainda pode ser causado por efeito de massa, edema perilesional e/ou obstrução liquórica. Corticoides são ineficazes nesses cenários e ainda aumentam o risco de complicações.
Os principais sangramentos que elevam o risco da obstrução liquórica são: hemorragia talâmica (compressão de 3º ventrículo), cerebelar (compressão de 4º ventrículo) e intraventricular. Caso haja, está indicada a drenagem de líquor.
O que pode sugerir que o paciente pode estar evoluindo com aumento da PIC no exame físico? Esteja atento, principalmente, a esses sinais e sintomas:
As medidas iniciais que todos os pacientes (independentemente de terem ou não instalado o monitor) devem receber com o intuito de reduzir a PIC são:
Nesses pacientes, o exame físico, bem como o uso de monitor de PIC, quando indicados, são preferenciais em relação à seriação de neuroimagem. Com relação à neuroimagem, não é necessário repetir a cada hora para avaliar aumento de PIC.
Na impossibilidade desses, a tomografia computadorizada ou a ressonância magnética (RNM) em série são feitas, sendo a RNM mais sensível, contudo, menos disponível. Isso porque a neuroimagem pode permanecer inalterada a despeito de uma elevação progressiva da PIC.
Alguns achados em imagem que podem sugerir elevação de PIC são: aumento de deslocamento do parênquima encefálico, compressão ventricular ou do tronco cerebral, hidrocefalia obstrutiva e herniações (transtentorial, parafalciana, uncal, central, tonsilar).
Nesse momento, se você estiver fazendo tudo pelo seu paciente, mas os sinais e os sintomas de PIC agravaram, os manejos não funcionam, ou pior, o quadro se torna grave, associado a uma PIC extremamente elevada, é hora de iniciar as terapias de resgate para PIC.
Pode ser realizada com soluções hipertônicas, salinas ou manitol, não havendo superioridade entre elas. Nos casos graves, em que há evidência de risco de vida, pode-se usar salina hipertônica a 23,4% na dose de 15-30 mL a cada 6h ou manitol 1 g/kg em bolus, sempre em cateter venoso central (CVC).
No caso de sinais e sintomas mais leves, utilize salina hipertônica a 3% em BIC com meta de sódio sérico entre 145-155 mmHg ou manitol 0,25-0,5 g/kg de 6x6h. A ideia da terapia osmótica é utilizar fluidos com alta osmolaridade (que “puxam” água) para tentar reduzir um possível edema cerebral.
Promove rápida redução da PIC por vasoconstrição cerebral, contudo, dura apenas algumas horas e serve como ponte para tratamentos melhores, principalmente, em caso de herniações cerebrais associadas. Objetiva-se PaCO2 entre 30-35 mmHg, pois uma hiperventilação mais agressiva, com PaCO2 entre 25-30 mmHg, pode resultar em isquemia cerebral.
Objetiva reduzir o metabolismo cerebral e, consequentemente, o fluxo cerebral. Costuma-se fazer o coma barbitúrico com uso de pentobarbital, na dose de 5-20 mg/kg em bomba de infusão contínua (BIC) em 1-4 mg/kg/h. Nesses casos, é mandatória a realização de eletroencefalograma (EEG) contínuo e titular a dose, visando à supressão da atividade elétrica cerebral.
O propofol é uma alternativa ao uso de barbitúrico, apresentando meia-vida mais curta e permitindo despertar mais rápido para realização de exame neurológico seriado. É realizado na dose de 1-3 mg/kg em BIC 5-50 mcg/kg/min (máximo de 200 mcg).
Podem ser utilizados em pacientes que, inicialmente, não respondem à sedação e têm o intuito de suprimir a atividade muscular, que pode elevar a PIC por aumento da pressão intratorácica (que reduz o retorno venoso cerebral). Porém, o uso dos bloqueadores neuromusculares andam juntos a um aumento no risco de pneumonia e sepse.
No que diz respeito ao tratamento da hemorragia intraparenquimatosa, há poucas indicações de intervenção cirúrgica. Isso é reservado, pelas diretrizes atuais, a pacientes com hemorragias cerebelares maiores que 3 cm de diâmetro, que apresentem deterioração neurológica, compressão de tronco cerebral e/ou hidrocefalia associada.
A abordagem cirúrgica comumente consiste em craniectomia com evacuação do hematoma, associado à drenagem liquórica.
Os pacientes apresentam um substrato estrutural que pode desencadear convulsões, apresentadas das seguintes maneiras:
Independentemente da classificação, não é indicado o uso profilático de anticonvulsivantes! O manejo das convulsões será realizado caso haja clínica e/ou EEG mostre focos de convulsão. Nos estudos, o uso profilático está associado ao aumento de mortalidade e incapacidade.
Por fim, há alguns itens não menos importantes, mas que, muitas vezes, são negligenciados no tratamento da hemorragia intraparenquimatosa.
Comumente, os pacientes estarão graves, com déficits motores, intubados, acamados e imobilizados. A profilaxia de TVP é essencial, mas surge a dúvida: vai anticoagular o paciente que está com a cabeça sangrando?
Em um primeiro momento, obviamente não. Para isso, entram em ação os compressores pneumáticos para os membros inferiores ou até os filtros de veia cava. Alguns autores advogam que, em caso de estabilização documentada do sangramento por neuroimagem, é possível usar HBPM ou HFN em baixas doses.
Evita-se o uso rotineiro de inibidores de bombas de próton nos pacientes, devido ao risco aumentado de pneumonia intra-hospitalar e infecção por Clostridium Difficile, ficando reservada a profilaxia às indicações rotineiras em ambientes de terapia intensiva e/ou protocolos da instituição em que você trabalha.
Novamente, os pacientes comumente estão imobilizados na cama, então, é de suma importância que a equipe multiprofissional esteja atenta a essa complicação, atuando por meio de mudança de decúbito e cuidados com a pele.
Além do tratamento da hemorragia intraparenquimatosa, há outros pontos secundários a serem analisados. Por incrível que pareça, quando sobrevivem,os pacientes apresentam recuperação melhor que os casos de AVC isquêmico, pois a área envolvida em HIP costuma ser menor. Na prevenção secundária, os focos são:
Em casos de alto risco embólico, como em próteses valvares, trombofilias, fibrilação atrial com CHADSVASC alto, TVP relacionadas a câncer, hipercoagulabilidade adquirida ou hereditária, reintroduza os medicamentos após, pelo menos, quatro semanas do fim do quadro agudo de HIP.
Dê preferência ao uso dos novos anticoagulantes orais, exceto no caso de valvas protéticas, pacientes < 60 kg ou clearance de creatinina < 30 mL/min/1,73 m², em que o uso de warfarina ainda é preferencial.
Agora que você já sabe como acontece o tratamento da hemorragia intraparenquimatosa, ficou bem mais fácil identificar e lidar com essa emergência médica no plantão!
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Paraense, forjado em 1990. Residência em Clínica Médica pelo Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE). Neto de professor que me transferiu o amor pelo magistério. Apaixonado pelo raciocínio clínico, por uma boa resenha, viagens e novas experiências. Siga no Instagram: @rodrigocfranco