Tratamento de síndrome vestibular: saiba mais

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A queixa de tontura é muito frequente no PS, mas nem sempre o paciente se refere à tontura quando está falando de vertigem. A vertigem é uma sensação de tontura rotatória e dá a impressão de que o ambiente está girando. Sendo assim, você sabe como o tratamento de síndrome vestibular funciona?

A vertigem também está associada a náuseas e vômitos. As etiologias de vertigem podem ser de topografia periférica (vertigem posicional paroxística benigna e neurite vestibular) e de topografia central (acidente vascular cerebral de fossa posterior). Confira informações sobre o tratamento de síndrome vestibular aguda, a seguir.

Vertigem posicional paroxística benigna (VPPB)

A VPPB é uma causa periférica de vertigem com episódios recorrentes. Ela ocorre devido à presença de detritos de cálcio no canal semicircular. Eles se encontram na mácula do utrículo, mas se soltam e caem nos canais semicirculares.

Normalmente, os canais semicirculares detectam as acelerações angulares da cabeça. Esses detritos de cálcio ​geram movimento inadequado da endolinfa com acelerações lineares, como a gravidade. Isso culmina em uma sensação errônea de rotação ao movimentar a cabeça.

O canal semicircular posterior é o local mais comum de acontecer a deposição desses detritos. No exame físico, há normalidade do exame neurológico. Também é possível observar a manobra de Dix-Hallpike positiva.

Nessa manobra, o paciente fica sentado, com a cabeça inclinada a 45º para o lado que deseja ser testado. Então, o paciente deita rapidamente na maca, deixando a cabeça suspensa. Após um período de latência de 2 a 5 segundos, o paciente tem vertigem com náuseas.

Além disso, é possível observar o nistagmo horizonto-rotatório com fase rápida para baixo (componente vertical), com duração de alguns segundos (inferior a 1 minuto), fatigável e com recuperação espontânea. Qualquer coisa diferente disso não é nistagmo de VPPB. Sendo assim, levante a hipótese de vertigem de etiologia central.

Tratamento da VPPB

A manobra de Epley corresponde a um reposicionamento canalítico. Estudos concluíram que a manobra de reposicionamento de partículas é segura e eficaz para o tratamento da VPPB do canal posterior. Entretanto, como fazê-la?

  • Sentar paciente com cabeça virada 45º para o lado que deseja tratar;
  • Deitar paciente rapidamente com a cabeça pendente;
  • Virar cabeça do paciente a 90º para o outro lado e mais 90º depois, deixando-o em decúbito lateral;
  • Sentar paciente.
Referência: Benign paroxysmal positional vertigo. UptoDate.

Neurite vestibular

A neurite vestibular é um processo inflamatório do gânglio de Scarpa que gera episódios de crises de vertigem. É comum a associação com episódios de infecções de vias aéreas superiores.

É uma afecção benigna com duração de alguns dias, geralmente, autolimitada. Caracteriza-se por uma vertigem de início rápido, associada a náuseas, vômitos e instabilidade da marcha. Os sintomas pioram com a movimentação cefálica, porém não são desencadeados por uma posição específica.

Ao exame físico, o paciente apresenta nistagmo com fase lenta em direção ao lado acometido (o lado lesado pela neurite tem o tônus reduzido, sendo que o lado “bom”, ao prevalecer, “empurra” os olhos em direção ao lado lesado), com sacada de correção para o lado bom (fase rápida do nistagmo).

Assim, o resultado é um nistagmo horizonto-rotatório, batendo em direção ao lado não acometido. Além disso, pode-se notar VOR alterado e desvio de marcha para o lado lesado. O principal diagnóstico diferencial é o AVC de fossa posterior.

Tratamento da neurite vestibular

O tratamento do quadro agudo é baseado em corticoterapia, apesar de haver conflitos na literatura quanto a essa medida. Em geral, faz-se corticoterapia com prednisona durante 10 dias (60 mg/dia do D1 ao D5; 40 mg/dia no D6; 30 mg/dia no D7; 20 mg/dia no D8; 10 mg/dia no D9; 5 mg/dia no D10).

Um estudo controlado randomizado duplo-cego do NEJM (Strupp et al. Methylprednisolone, valacyclovir, or the combination for vestibular neuritis, NEJM 2004; 351(4);354) avaliou 141 pacientes com neurite vestibular para um dos quatro grupos de tratamento:

  • metilprednisolona (1);
  • ​​valaciclovir (2);
  • metilprednisolona + valaciclovir (3);
  • placebo (4).

Avaliou-se a função vestibular pela irrigação calórica no 3º dia após início dos sintomas e após 12 meses do quadro. Os resultados encontrados mostraram que o tratamento com metilprednisolona reduziu significativamente a função vestibular após 12 meses de seguimento em relação ao grupo placebo.

O tratamento com valaciclovir 1000 mg 3 vezes ao dia por 7 dias não melhorou o desfecho. Já o tratamento combinado de metilprednisolona com valaciclovir não foi mais eficaz que a metilprednisolona sozinha.

Medicação

Quando utilizar aciclovir ou valaciclovir? Quando há complicação otológica da reativação do vírus varicela-zóster no gânglio geniculado, com subsequente disseminação da infecção para o VIII par craniano.

Isso gera a clássica síndrome de Ramsay Hunt, que se caracteriza por paralisia facial de padrão periférico, dor em ouvido e vesículas no pavilhão auditivo ou no canal auditivo.

Nesse caso, a terapia antiviral é indicada com valaciclovir 1 g 8/8 horas por 7 a 10 dias ou aciclovir 400 mg 4/4 horas por 10 dias, associando corticoterapia com prednisona 1 mg/kg por 5 dias. Em casos de vertigem, zumbido ou redução de audição, é preferível terapia endovenosa (aciclovir 10 mg/kg/dose EV 4/4 horas por 10 a 14 dias).

Paralisia facial secundária à síndrome de Ramsay Hunt – Uma condição rara. Rev. Assoc. Med. Bras. Image in Medicine.63(4), Abr 2017, https://doi.org/10.1590/1806-9282.63.04.301

 

Tratamento sintomático

O tratamento sintomático é direcionado para reduzir vertigem, náuseas e vômitos. Também é possível utilizar medicamentos antieméticos, anti-histamínicos e benzodiazepínicos.

  • Antieméticos
  • Ondansetrona 4 mg 8/8 horas;
  • Metoclopramida 10 mg 8/8 horas;
  • Prometazina 12,5-25 mg de 6/6 horas a 4/4 horas.
  • Anti-histamínicos
  • Meclizina 12,5-50 mg de 12/12 horas a 6/6 horas (dose máxima de 100 mg/dia);
  • Dimenidrato 50-100 mg de 6/6 horas a 4/4 horas;
  • Difenidramina 25-50 mg de 6/6 horas a 4/4 horas.
  • Benzodiazepínicos (evitar pelo efeito sedativo. Optar se refratário a anti-histamínico):
  • Lorazepam 1-2 mg 8/8 horas;
  • Diazepam 1 mg 12/12 horas;
  • Clonazepam 0,25-0,5 mg de 12/12 horas a 8/8 horas.

Por fim, a reabilitação vestibular ocorre com exercícios ou técnicas para estimulação dos mecanismos compensadores do sistema nervoso central. Assim, na alta, é orientado encaminhar o paciente ambulatorialmente para a realização dessas manobras.

Doença de Meniere

Doença de Meniere é uma síndrome vestibular periférica que ocorre por hipertensão da endolinfa, também ocasionando episódios recorrentes de vertigem. A maioria dos casos é idiopática, mas podem ocorrer infecções bacterianas, virais e sífilis, secundariamente.

Esse tipo de síndrome vestibular se caracteriza por crises recorrentes de vertigem (súbitos e intensos) com duração de minutos a horas. Além disso, apresenta náuseas e vômitos, associados a zumbidos, surdez e sensação de plenitude auricular.

Ao exame físico na Doença de Meniere, tais pacientes possuem nistagmo horizonto-torcional. Pode haver algum grau de surdez neurossensorial em audiometria.

Tratamento

O tratamento da Doença de Meniere é limitado pelo baixo nível de evidência das medidas atuais. Um tratamento baseado em mudança dietética, medicamentos e reabilitação vestibular faz com que cerca de 90% dos pacientes com doença de Meniere consigam manter as atividades diárias sem limitações.

Com relação à mudança dietética, tais pacientes possuem alguns gatilhos alimentares, como alta ingestão de sal, cafeína e álcool. Assim, oriente uma dieta com mínima exposição a esses agentes. Em algumas referências, recomenda-se dieta restrita em sal no início do tratamento (apesar da baixa qualidade de eficácia dessa medida).

No tratamento de síndrome vestibular, a reabilitação tem como intuito maximizar o equilíbrio e a compensação do sistema nervoso central frente aos sintomas de desequilíbrio apresentados pela síndrome.

Deve ser realizada terapia diária com vasodilatadores (betahistina 8-16 mg 3x/dia) ou diuréticos (hidroclorotiazida 25 mg 1x/dia; furosemida 20 mg 1x/dia; acetazolamida 250-500 mg 2x/dia). Há maior recomendação de uso de vasodilatadores (medicação mais bem tolerada e que não requer monitoramento de efeitos metabólicos, incluindo pressão arterial, função renal e eletrólitos).

Teoricamente, betahistina e diuréticos podem reduzir o grau de hidropisia endolinfática. Usam-se supressores vestibulares junto desses remédios e antieméticos conforme a necessidade (medicamentos e doses abordados acima).

Acidente vascular cerebral de fossa posterior

O nível de suspeição para AVC de fossa posterior deve ser baixo porque pode gerar sérias complicações. O escore ABCD2 (inicialmente, utilizado para avaliar risco de AVC isquêmico em pacientes após AIT), permite identificar aqueles com maior risco de estarem com vertigem central.

No quadro clínico da artéria principal acometida, tal como mostramos na tabela abaixo, a fossa posterior, composta por cerebelo, bulbo, ponte e parte infratentorial do mesencéfalo, é irrigada pela circulação posterior, representada pela circulação vértebro-basilar. Lembre-se: essa topografia é mal contemplada pelo NIHSS!

Artéria ComprometidaDéficit habitual
Artéria VertebralNáuseas, vômitos e vertigem. Alteração de nervos cranianos baixos. Alterações cerebelares (ataxia; disartria)
Artéria Cerebral PosteriorAlterações no campo visual. Rebaixamento de nível de consciência. Déficit sensitivo. Alterações nas funções nervosas superiores
Artéria BasilarDéficit motor. Déficit sensitivo. Rebaixamento de nível de consciência. Alterações de nervos cranianos

Nesse tratamento de síndrome vestibular, quando a vertigem é o único sintoma, e o paciente não possui déficits grosseiros, é possível focar no exame da motricidade ocular extrínseca.

Deve-se avaliar três itens que, em conjunto, possuem maior sensibilidade e especificidade do que a RM de crânio para o diagnóstico de AVC isquêmico causando vertigem: o famoso HINTS (Head Impulse; Nystagmus; Test of Skew).

Um ponto importante é que a ressonância possui resultados falso-negativos em até 15% dos casos de vertigem de origem central causadas por AVC isquêmico nas primeiras 48 horas de sintomas (ao contrário do AVC hemorrágico de fossa posterior, que pode ser detectado tanto na TC de crânio quanto na RM de crânio logo no início do evento).

Pacientes com AVC de fossa posterior têm risco de evoluir com complicações agudas, sendo a mais temida a hidrocefalia por compressão do 4º ventrículo, pois há maior risco de novos eventos vasculares.

Tratamento do AVC isquêmico de fossa posterior

Aqui, entramos em um mundo de condutas sem muitas evidências, principalmente porque os dados sobre manejo de AVC de circulação posterior são menos abundantes, sendo que a conduta vai depender do risco-benefício para o paciente. 

Entretanto, em linhas gerais, o tratamento de síndrome vestibular é baseado em terapia reperfusional com trombólise (inclusive, sendo possível tempo porta-agulha maior nesses pacientes). 

A trombectomia mecânica é, comprovadamente, eficaz em casos selecionados com AVC isquêmico causado por oclusão arterial intracraniana proximal na circulação anterior. Os ensaios que estabeleceram o benefício da trombectomia mecânica excluíram, em grande parte, pacientes com infartos de circulação posterior.

O estudo BASICS do NEJM de 2021 com 300 pacientes (Langezaal LCM, et al. Endovascular Therapy for Stroke Due to Basilar-Artery Occlusion. NEJM 2021; 384:1910-1920. DOI: 10.1056/NEJMoa2030297) comparou a eficácia de trombólise e trombectomia em AVC isquêmico de artéria basilar.

Resultados do estudo

Encontrou-se resultado favorável (escala de Rankin modificada de 0 a 3 em até 90 dias do evento) em 44,2% dos pacientes submetidos ao tratamento endovascular, assim como em 37,7% do grupo com trombólise e manejo clínico (RR 1.18; IC 95%, 0.92 -1.50; P = 0.19). 

Por meio dos resultados, também obteve-se dados sobre a mortalidade. Em 90 dias, foi de 38,3% no grupo endovascular e 43,2% no grupo com trombólise (RR 0,87; IC 95% 0,68 a 1,12; P = 0,29).

Nos pacientes, a terapia endovascular e a terapia médica não apresentaram diferença significativa em relação a um resultado funcional favorável. Foram necessários ensaios clínicos maiores para determinar a eficácia e a segurança da terapia endovascular em AVC isquêmico de fossa posterior.

O manejo medicamentoso do AVC isquêmico de fossa posterior também possui fatos discutíveis. Aspirina e outras drogas antiplaquetárias têm sido utilizadas, mas faltam ensaios controlados da eficácia. Existem abordagens em que se anticoagula pacientes com heparina para evitar novos eventos cerebrovasculares.

Tratamento do AVC hemorrágico de fossa posterior

O manejo do acidente vascular cerebral hemorrágico é baseado no pilar de controle pressórico (alvo de PAS 140 a 160 mmHg), glicêmico e vigilância para crises convulsivas. 

Em caso de Glasgow abaixo de 8, sinais de herniação ou hidrocefalia, a monitorização de pressão intracraniana (PIC) é necessária. Em caso de piora neurológica, realiza-se a drenagem do hematoma.

Prepare-se para as práticas dos plantões de emergência

Depois de todas essas informações sobre o tratamento de síndrome vestibular aguda, lembre-se de que uma anamnese muito bem feita e um exame físico minucioso são importantes para manejar qualquer paciente, independentemente da queixa.

Se você ainda não domina totalmente o plantão de pronto-socorro, temos um material que pode te ajudar com isso: nosso Guia de Prescrições. Com ele, você fica mais preparado para atuar em qualquer sala de emergência do Brasil.

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JéssicaNicolau

Jéssica Nicolau

Residência em Clínica Médica no Hospital das Clínicas da FMUSP. Graduação em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Intercâmbio acadêmico em estágio de pesquisa científica na Harvard Medical School/Brigham and Women's Hospital. Experiência como Médica-Preceptora da Disciplina de Emergências Clínicas da FMUSP.