A bexiga é um dos principais órgãos que formam o sistema urinário no nosso organismo. Sendo assim, ela está sujeita a lesões e outras condições que podem a acometer, como o trauma de bexiga.
Pensando nisso, que tal revisar os achados sugestivos de lesão vesical na tomografia computadorizada? Pensando nisso, preparamos este artigo com informações detalhadas sobre a condição e a conduta adequada para o diagnóstico.
O trauma de bexiga pode acontecer por trauma fechado, penetrante ou iatrogênico, na região abdominal e/ou pélvica. A maior parte ocorre por lesões fechadas, enquanto os acidentes por veículos motorizados são a principal etiologia.
Esses traumas podem estar relacionados à compressão da bexiga por cinto de segurança, volante ou injúrias por ejeção. Outras causas são quedas, lesões por esmagamento, golpes no abdômen inferior e lesões penetrantes. Afinal, o que é lesão na bexiga?
Cerca de 70% das lesões que acontecem na bexiga se relacionam a fraturas pélvicas ou a múltiplos órgãos e sistemas, no contexto de lesões concomitantes. Outro dado importante é que 30% dos pacientes com fraturas pélvicas apresentam algum tipo de lesão na bexiga com sintomas, incluindo contusão.
Entre as fraturas pélvicas, as do ramo púbico e a diástase da sínfise púbica são as que apresentam maior associação com as lesões de bexiga. No entanto, a fratura acetabular não apresentou significância estatística com injúria vesical.
Em relação às rupturas vesicais, as extraperitoneais correspondem a cerca de 60% das lesões de maior gravidade e se associam às fraturas pélvicas. Continue a leitura para conhecer a fisiopatologia dessa condição.
Para compreender o que pode causar lesão na bexiga, é necessário saber as principais características do órgão. A bexiga é um órgão muscular extraperitoneal com cobertura pelo peritônio na região superior, isto é, no domo ou na cúpula da bexiga.
Essa área é a porção de maior mobilidade e fragilidade, sendo suscetível à ruptura traumática quando distendida. Porém, quando vazia, ela fica protegida pelos ossos anteriores da pelve. Portanto, a gravidade das lesões depende diretamente do grau de distensão da bexiga no momento do trauma.
A ruptura intraperitoneal ocorre quando há uma compressão ou um golpe no abdômen inferior com a bexiga distendida no momento do trauma. Isso provoca um súbito aumento da pressão intraluminal e ruptura do domo, ocasionando extravasamento de urina na cavidade peritoneal.
Geralmente, a ruptura extraperitoneal se associa à fratura pélvica, podendo acontecer via laceração direta por espículas ósseas ou mecanismo de contragolpe, em que há estiramento dos ligamentos e laceração da bexiga.
As rupturas extraperitoneais ainda podem ser classificadas em dois grupos: simples e complexas. As primeiras ocorrem quando o contraste é retido no espaço extraperitoneal.
O grupo dos extravasamentos complexos é caracterizado pelo rompimento de fáscias da região pélvica, provocando dispersão do contraste em diversos sítios. A exemplo disso, podemos citar a parede abdominal anterior, o pênis, a bolsa escrotal e o períneo.
Após tudo o que falamos acima, é fácil perceber que a principal indicação de exames de imagem é a presença de hematúria macroscópica e fratura de ossos da pelve.
Precisamos ressaltar que a ausência de fraturas não exclui a possibilidade de lesão na bexiga. Sendo assim, deve-se levantar suspeita naqueles pacientes que apresentaram hematúria, dor suprapúbica ou dificuldade de micção.
Os principais exames de imagem para o diagnóstico são: cistografia convencional ou por tomografia computadorizada (TC). No contexto de trauma, a segunda opção tem se apresentado como primeira escolha de avaliação, devido à possibilidade de identificar outras lesões viscerais, ósseas e vasculares que podem estar associadas.
A distensão da bexiga com contraste pode auxiliar na avaliação de possíveis locais de extravasamento e deve ser realizada por instilação retrógrada, desde que a possibilidade de trauma de uretra seja excluída.
TC com contraste excretado pode mostrar líquido nas regiões intra e extraperitoneais, porém, não é possível diferenciar urina de ascite de outra natureza apenas pelos métodos de imagem. As classificações de exames de imagens mais utilizadas estão detalhadas a seguir.
Classificação do trauma de bexiga (Escala AAST-OIS) | |
Grau | Acometimento |
I | Contusão, hematoma intramural ou laceração parcial |
II | Laceração extraperitoeneal < 2 cm |
III | Laceração extraperitoneal > 2cm |
IV | Laceração intraperitoeneal > 2cm |
V | Laceração intra ou extraperitoneal que se estende até o trígono vesical ou o colo vesical |
Classificação do trauma de bexiga segundo o consenso da Société Internationale D’Urologie | |
Grau | Acometimento |
I | Contusão vesical |
II | Ruptura intraperitoneal |
III | Ruptura extraperitoneal |
IV | Lesão combinada |
O principal papel do radiologista é distinguir as rupturas intra e extraperitoneais, bem como diferenciar lesões simples e complexas da bexiga. Esse é um dos principais motivos da segunda classificação mencionada ser a mais utilizada na prática.
Outro fator é a limitação do método na mensuração acurada da laceração. Essa limitação vem da dificuldade de atingir a distensão vesical adequada para avaliação em alguns dos exames realizados.
A contusão vesical está relacionada à lesão da mucosa pelo trauma. Normalmente, alterações podem ou não ser detectadas nos exames de imagem (FIGURA 1).
No extravasamento extraperitoneal, o contraste preenche o espaço perivesical, assumindo um aspecto de “dente molar” nas imagens em corte axial (FIGURAS 2 e 5).
Por outro lado, no extravasamento intraperitoneal, ocorre a dispersão do contraste ao redor das alças intestinais, entre as dobras do mesentério, no espaço retovesical, no fundo de saco e nas goteiras parietocólicas (FIGURAS 3 e 4).
Existem achados adicionais que podem auxiliar no diagnóstico da lesão de bexiga. Um exemplo disso é a associação de ruptura intraperitoneal e a presença de líquido livre. Outro sinal relatado é a presença de nível líquido-gordura em pacientes com trauma abdominal e ruptura vesical.
Esse tipo de sinal pode ser explicado pela migração de gotículas de gordura para cavidade intravesical como resultado de um súbito aumento de pressão na cavidade pélvica.
Um dos sinais descritos é o triângulo de gordura encontrado na ruptura extraperitoneal. Ele é formado pelo deslocamento anterior da gordura extraperitoneal, assumindo o formato de uma imagem triangular no espaço pré-vesical. Pode ser evidenciado em exames de tomografia computadorizada e ultrassonografia.
Também é possível encontrar o sinal do “coágulo sentinela”, caracterizado pela presença de hemorragia focal. Isso pode indicar o local de ruptura da parede da bexiga, considerado um sinal bastante específico no contexto de trauma abdominal fechado. Quando localizado no domus vesical, pode representar ruptura intraperitoneal.
FIGURA 1 – Paciente de 52 anos, motociclista, foi atingido e ejetado após uma colisão com um carro. A – Imagem axial de TC que mostra um espessamento na parede superolateral da bexiga, sem extravasamento de contraste, sendo compatível com contusão da bexiga. B – Fraturas do ramo púbico podem ser vistas em um corte axial mais inferior do mesmo paciente. Adaptado de Mojtabaie P, Redmond CE, Lunt CR, Gibney B, Murray N, Louis L, Nicolaou S. Lower Urinary Tract Injuries: A Guide for the Emergency Radiologist. Can Assoc Radiol J. 2021 Aug;72(3):557-563
FIGURA 2 – Paciente masculino de 25 anos de idade foi vítima de um acidente por veículo motorizado e diagnosticado com ruptura extraperitoneal da bexiga. A – Imagem axial de TC do abdômen e pelve que evidenciou fluido de alta densidade (setas) no espaço extraperitoneal (Espaço de Retzius). B – Imagem axial de TC demonstra extravasamento de contraste por meio de um defeito (cabeça de seta na cor preta) na parede abdominal anterior e no espaço extraperitoneal (setas brancas). Aparência do sinal do “dente molar”. Adaptado de Mojtabaie P, Redmond CE, Lunt CR, Gibney B, Murray N, Louis L, Nicolaou S. Lower Urinary Tract Injuries: A Guide for the Emergency Radiologist. Can Assoc Radiol J. 2021 Aug;72(3):557-563
FIGURA 3 – Mulher de 75 anos de idade com ruptura intraperitoneal da bexiga após colisão por veículo motorizado. A TC mostra um defeito na parede anterior da bexiga (seta) e presença de meio de contraste delineando as reflexões peritoneais. Adaptado de Ramchandani P, Buckler PM. Imaging of genitourinary trauma. AJR Am J Roentgenol. 2009 Jun;192(6):1514-23.
FIGURA 4 – Pedestre de 19 anos, masculino, foi atingido por veículo motorizado axial (A) e coronal (B) TC após utilização de contraste em uma fase tardia. Observa-se extravasamento pelo domus da bexiga (cabeça de seta branca) no espaço intraperitoneal (setas) ao redor de alças intestinais. O paciente apresentou fraturas complexas. Nas imagens, é possível ver apenas a fratura do osso púbico direito. Adaptado de Mojtabaie P, Redmond CE, Lunt CR, Gibney B, Murray N, Louis L, Nicolaou S. Lower Urinary Tract Injuries: A Guide for the Emergency Radiologist. Can Assoc Radiol J. 2021 Aug;72(3):557-563
FIGURA 5 – Mulher de 60 anos, vítima de acidente com veículo motorizado. A imagem demonstra extravasamento de contraste após uma ruptura extraperitoneal complexa com extensão para a pelve no espaço de Retzius. Adaptado de Ramchandani P, Buckler PM. Imaging of genitourinary trauma. AJR Am J Roentgenol. 2009 Jun;192(6):1514-23. doi: 10.2214/AJR.09.2470.
De maneira geral, lesões extraperitoneais não complicadas podem ser manejadas de forma conservadora por meio de drenagem, utilizando uma sonda de Foley em um tempo estimado de duas a três semanas. Lesões extraperitoneais complicadas necessitam de reparo cirúrgico para evitar sequelas prolongadas.
Esteja sempre atento à possibilidade de lesão de bexiga nos traumas fechados e, principalmente, nos pacientes com fraturas de ossos pélvicos. É bom ter em mente que a TC de rotina negativa não exclui completamente a lesão de bexiga nem é capaz de distinguir urina de ascite de outra natureza.
Os principais exames de imagem para o diagnóstico de lesões na bexiga no contexto de trauma são a cistografia convencional e a cistografia por TC, que apresentam sensibilidade e especificidade semelhantes. Porém, a cistografia por TC permite diagnosticar lesões associadas a outros órgãos e sistemas.
O diagnóstico do trauma de bexiga é feito ao observar o contraste injetado na bexiga extravasar para a cavidade peritoneal (rotura intraperitoneal) ou para o espaço extraperitoneal (rotura extraperitoneal).
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Paraense apaixonada pela radiologia. Formada pela Universidade do Estado do Pará (UEPA). Residência em Radiologia e Diagnóstico por Imagem na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Adora a culinária paraense, novas tecnologias e a arte de ensinar.