Quem é fã de séries policiais americanas e adora desvendar mistérios, segredos inimagináveis, evidências escondidas e crimes hediondos, já pensou uma vez na vida em ser uma espécie de “Dexter da vida real” (sem o lado mau do personagem, claro)! E se for médico então, já pode saber que isso é mais do que possível! Mas pra sair da ficção das telinhas e se aprimorar no domínio das investigações forenses é preciso fazer a Residência Médica em Medicina Legal e Perícias Médicas – nome instituído pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) desde 2011 para essa que não é apenas uma especialidade médica, mas é também uma especialidade jurídica que impõe aos peritos muitas responsabilidades legais e éticas, e que também é a base da Traumatologia Forense.
A Traumatologia Forense é um campo da Medicina Legal que vai estudar os as agressões e seus efeitos, sejam elas físicas ou psicológicas, imediatas ou tardias, para poder determinar os agentes causadores das mais diversas violências sobre o corpo humano por meio de exames periciais na vítima e no local onde ocorreu o crime. É preciso ter um pouco de sangue frio pra lidar com a coleta de materiais como cabelos, ossos, unhas e pertences pessoais nos mais variados locais de crime e levá-los para análise de DNA forense, física, química e biológica. É diferente quando a gente sabe que ocorreu um crime. Pra muitos, aí é que brilham os olhos!
E engana-se quem pensa que exames são feitos em necrotérios apenas. Um dos exames mais solicitados é o famigerado exame de corpo de delito, que, ao contrário do que muita gente pensa, é feito não apenas na vítima! Ele também é realizado em todo o lugar onde as lesões corporais e os traumatismos aconteceram pra identificar as causas e os instrumentos — perfurantes, cortantes ou contundentes utilizados no delito e pra atribuir a extensão das incapacidades físicas, psicológicas e inclusive socioeconômica — dos danos provocados na vítima. O médico legista faz isso tudo depois de o delegado de polícia solicitar exames para dar andamento ao caso e registra em planilhas impressas e até filmagens da pessoa examinada.
E por mais que sejam dolorosos os casos criminais, o perito não pode de jeito nenhum se envolver emocionalmente com o caso. Imparcialidade e confidencialidade são as palavras-chave que regem a escolha profissional pela Traumatologia Forense. Tem que ter um olhar bem técnico e se distanciar pra que a coleta de vestígios e evidências não seja comprometida. O perito médico-legal precisa ter ciência de que seu papel é fornecer subsídios para que toda a investigação ocorra da forma mais justa possível. Ele não condena nem inocenta, ele é um instrumento da medicina em favor da lei. Essa é uma tarefa bem nobre, não é mesmo?
O perito em Medicina Legal é um médico e deve essencialmente ser um especialista na área de medicina legal. Então é necessário, após a conclusão da graduação em Medicina, realizar o programa em residência médica de acesso direto em Medicina Legal por 3 anos para se obter os conhecimentos e as práticas sobre a semiologia e exame físico do corpo e, também, sobre a legislação vigente, balística, ética médica dentre outros.
Infelizmente, apenas uma universidade no Brasil oferece vagas na Residência Médica em Medicina Legal, o que torna a vida de quem quer trilhar esse caminho um pouquinho mais difícil. O Departamento de Medicina Legal, Ética Médica e Medicina Social e do Trabalho da Faculdade de Medicina da USP, único no País com residência médica em Medicina Legal e Perícia Médica, oferta 15 vagas para a especialização que concentra seus estudos em perícia médica, criminal, previdenciária e militar e outras áreas.
O Departamento de Medicina Legal da USP – SP foi reconhecido como o 10º na área da pesquisa sobre o tema. Além disso, a instituição conta com parcerias com universidades norte-americanas, norueguesas e inglesas, que facilitam o intercâmbio de estudos de casos e proporcionam estágios enriquecedores.
Pra se ter uma ideia de como a atuação do perito médico é fundamental nas investigações criminais de casos de grande repercussão e de difícil solução, sabia que foi a equipe do Departamento de Medicina Legal da USP-SP que contribuiu em casos emblemáticos, como o reconhecimento da ossada do nazista Josef Mengele e a perícia de PC Farias – o tesoureiro da campanha do ex-presidente Fernando Collor de Mello, que foi encontrado morto com a namorada Suzana Marcolino, em Maceió no final dos anos 90?
É claro que nem tudo é exatamente como a gente vê nos filmes, em que policiais e peritos usam ciência e tecnologia para desvendar crimes ocorridos em situações complexas, mas, olha só: muitos dos equipamentos e das tecnologias envolvidas na perícia médica da vida real são bastantes parecidos com os que a gente vê no cinema! O que mais pega e é a principal diferença é que na TV os casos são resolvidos em tempo recorde! No Brasil, um caso de verdade pode levar meses ou até anos pra ser solucionado.
Mas se você curte esse universo, é só embarcar nessa jornada que é a residência médica, além, é claro, de estar preparado pra estudar muito! Já pode sair das séries policiais da Netflix e cair no mundo real porque nem só de emoção vive o perito médico: tem que estudar áreas nem sempre tão excitantes como, por exemplo, a área Cível, que aborda erro médico, anulação jurídica de casamentos, prejuízos a terceiros e interdição de pessoas. Há também a área Administrativa, bastante solicitada pra concessão de benefícios sociais e trabalhistas, e a área Securitária que avalia contratos e condições de seguros de vida.
Mas você está pensando: eu quero mesmo é atuar em crimes! Como é isso? Aí sim, prepare o seu coraçãozinho porque aqui é Brasil, né? Os médicos que atuam em perícias na área Criminal vão correr atrás de evidências, vestígios, materiais e objetos pessoais em locais de ocorrência de delitos pra que sirvam de provas nos processos criminais. E são muitos os tipos de crime: brigas e lesões corporais, estupros, homicídios, latrocínios e suicídios, envenenamentos, embriaguez e abuso de drogas. E aí a Traumatologia Forense vai ser muito requisitada. Ainda há a possibilidade de atuar com Auditoria e analisar e fiscalizar a necessidade e eficiência de serviços médicos públicos e particulares.
Já deu pra perceber que os horizontes se expandem para aqueles que escolhem a Residência Médica em Medicina Legal e Perícias Médicas. A rotina vai depender muito da área de atuação, mas, em geral, os residentes dessa especialidade já miram em concursos públicos do IML (Instituto Médico Legal), do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e do IC (Instituto de Criminalística) pra estrear sua carreira na área com ganhos iniciais por volta dos 10 mil reais.
Mas o Perito Médico Legista pode atuar em diversos outros órgãos públicos como departamentos de polícia técnica ou científica, secretarias de segurança pública, juntas médicas dos servidores públicos municipais, estaduais ou federais e no DETRAN (Departamento de Trânsito), aí pode ser inclusive perito louvado, ou seja, não oficial, sem necessidade de concurso público.
Muitos médicos especialistas nas mais diversas áreas também optam por trabalhar na educação de outros profissionais e o Médico Legista pode dar aulas em cursos de tanto de Medicina quando de Direito além de cursinhos preparatórios para concursos públicos. Mas é aquela coisa, se você se encontrou nessa especialidade, bora cima e jogo de cintura! Você precisa ter consciência de que vai estar a serviço de outra área, que não é apenas a área médica! Vai trabalhar pra sociedade e vai atuar conjuntamente com juízes, defensores públicos, delegados de polícia e outros profissionais da área administrativa. Saber interagir com eles vai ser fundamental pro seu sucesso.
Bom, se você acha que essa pode ser a residência médica dos seus sonhos, tem que começar a se preparar desde já para garantir um bom desempenho nas provas de residência médica!
Já falamos aqui no blog tudo sobre como é a prova de residência médica da USP, que, como já falamos, é a única instituição brasileira que oferece uma residência Medicina Legal e Perícias Médicas! Quer mais? Então baixa o nosso novo Guia Estatístico com os cinco temas e assuntos que mais caem em cada grande área da prova da USP – com base em uma análise das provas dos últimos anos.
Carioca da gema, nasceu em 93 e formou-se Pediatra pela UFRJ em 2019. No mesmo ano, prestou novo concurso de Residência Médica e foi aprovada em Neurologia no HCFMUSP, porém, não ingressou. Acredita firmemente que a vida não tem só um caminho certo e, por isso, desde então trabalha com suas duas grandes paixões: o ensino e a medicina. Siga no Instagram: @jodamedway
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