O que é a Tríade de Beck, como identificar e tratamento

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A tríade de Beck foi descrita no século passado pelo Dr. Claude Beck, sendo composta por fatores consequenciais ao tamponamento cardíaco. Segundo relatos da história médica, o médico havia comentado anteriormente: “lesões do pericárdio são geralmente difíceis de diagnosticar”, descrevendo pela primeira vez a tríade que levaria seu nome.

Doenças que acometem o pericárdio podem evoluir com derrame pericárdico e em seguida, a depender da velocidade da instalação e do volume contido no espaço em questão, progredir para sinais clínicos de tamponamento e desenvolver a tríade de Beck.

Ilustração de tamponamento cardíaco, da tríade de Beck e do tratamento por pericardiocentese
Ilustração de tamponamento cardíaco, da tríade de Beck e do tratamento por pericardiocentese (Créditos: https://www.quora.com/What-is-cardiac-tamponade)

Vamos conhecer nosso caso clínico

Chega em sua sala de emergência uma paciente adulta jovem, 32 anos, portadora de Lúpus Eritematoso Sistêmica com má adesão ao tratamento ambulatorial. Ela possui turgência de jugular, hipofonese de bulhas e hipotensão arterial e refere pra você um certo “cansaço”. O que isso significa? Qual a sua suspeita diagnóstica inicial? Precisa tratar imediatamente? Preciso convocar algum especialista ou realizar algum exame complementar?

O que causa o tamponamento cardíaco? Como surge a tríade de Beck?

Normalmente, o sangue proveniente do sistema porta e pulmonar não encontram dificuldade em retornar às câmaras cardíacas. O pericárdio normal é um saco de dois folhetos: o folheto visceral, mais interno, e o folheto parietal, mais externo. Entre as duas membranas existe cerca de 15 a 20 ml de líquido formado por ultrafiltrado plasmático.

Em situações de surgimento de líquido anormal entre os folhetos do pericárdio, sobretudo quando acontece de forma aguda e intensa, pode provocar um aumento da pressão entre as câmaras cardíacas. Essa situação culmina em limitação à entrada de sangue nos ventrículos, com consequente redução do débito cardíaco, que pode ser fatal se não diagnosticada e tratada precocemente.

As causas mais comuns do tamponamento cardíaco, por vezes manifestado com a tríade de Beck, são doença neoplásica, pericardite idiopática, pericardite urêmica, traumatismos cardíacos, perfuração de coronária durante intervenção coronariana percutânea, pós infarto do miocárdio, tuberculose pericárdica ou qualquer tipo de pericardite em pacientes usuários de anticoagulantes. 

Beleza! E quais são os componentes da tríade de Beck?

As três principais manifestações clássicas do tamponamento cardíaco grave, conhecidas como tríade de Beck, são a hipotensão, o abafamento de bulhas cardíacas e distensão venosa-jugular:

  1. Hipotensão: Por melhor que sejam a função cardíaca e a competência valvar prévias ao surgimento do derrame pericárdico, o coração ejeta menor volume pois também recebe menor quantidade de sangue no contexto de uma diástole limitada, dentro de um saco pericárdico sob pressão.
  2. Abafamento de bulhas: A lâmina de líquido adicional existente entre o coração e o estetoscópio nos faz ouvir o som em menor intensidade. É como uma redução de murmúrio vesicular na ausculta pulmonar alterada por derrame pleural de moderado à grande volume.
  3. Distensão venosa-jugular: O sangue retorna ao coração, porém não consegue acomodar todo o volume dentro das câmaras cardíacas, de maneira fisiológica. Isso faz com que a pressão intracavitária se transmita retrogradamente ao sistema venoso central e seja visível a estase jugular.
Componentes da tríade de Beck comentados anteriormente: Aumento de pressão venosa central com turgência de jugular; diminuição da pressão arterial; abafamento de bulhas cardíacas.
Componentes da tríade de Beck comentados anteriormente: Aumento de pressão venosa central com turgência de jugular; diminuição da pressão arterial; abafamento de bulhas cardíacas (Créditos: Sun Yai-Cheng)

Que outros comemorativos do derrame pericárdico culminam em tamponamento cardíaco?

Você deve entender que o volume acumulado e a velocidade de aparecimento são fatores mais importantes do surgimento da tríade de Beck. Volume em torno de 200 ml de início recente podem produzir tamponamento cardíaco, em contrapartida, volume de aparecimento lento em torno de 1.000 ml ou mais podem produzir o mesmo efeito de maneira mais tardia.

Não existe uma regra! A espessura do miocárdio e a espessura/distensibilidade do pericárdio parietal também são fatores levados em consideração ao surgimento da tríade de Beck.  

Alguns sinais e sintomas compatíveis com derrame pericárdico podem estar presentes ou até mesmo preceder a clássica tríade de Beck, por isso você deve estar atento: sinais de insuficiência cardíaca, taquidispnéia, sudorese, sonolência, ortopnéia, congestão hepática, dor pericárdica – que piora com a inspiração e em decúbito dorsal e melhora ao sentar e inclinar-se para frente – ansiedade e taquicardia.

Em situações de maior gravidade você pode encontrar até mesmo o pulso paradoxal, que é um declínio inspiratório acima de 10 mmHg na pressão arterial sistólica durante a inspiração! A combinação da tríade de Beck com o achado de pulso paradoxal deve imediatamente te fazer buscar por derrame pericárdico e sinais de tamponamento em exame ultrassonográfico! Não pode relaxar, bicho, vai atrás desta condição.

Critérios eletrocardiográficos para derrame pericárdico, como a redução da amplitude e alternância elétrica dos complexos QRS, devem fortalecer a suspeita de tamponamento cardíaco e a tríade de Beck deve ser pesquisada.

Saber interpretar bem o ECG pode fazer a diferença, então, se você ainda tem dúvidas, sugiro dar uma olhada no nosso e-book gratuito ECG Sem Mistérios, que traz informações que todo médico precisa saber sobre esse exame, incluindo as 5 principais etapas na hora da análise sistemática de um ECG.

E se quiser se aprofundar ainda mais no assunto e aprender a interpretar qualquer eletrocardiograma, sugiro dar uma olhada no nosso curso de ECG que vai te levar do zero ao especialista nesse exame. Faça sua inscrição e domine o ECG!

Radiografia de tórax pode evidenciar aumento da silhueta e área cardíaca.

Ecocardiografia convencional identifica derrame pericárdico, colabamento sistólico do átrio direito (achado de maior sensibilidade), colabamento diastólico de ventrículo direito inicialmente e tardiamente de câmaras esquerdas. Dilatação de veia cava inferior com diminuição ou ausência de variabilidade inspiratória também são identificados, juntamente com movimento paradoxal do septo interventricular.

Com o uso cada vez mais difundido do Ultrassom Point-of-care em nosso país, o reconhecimento precoce de um derrame pericárdico e a identificação de repercussões nas câmaras cardíacas, pode acelerar o tempo entre diagnóstico e intervenção.

Como você viu, estar com a interpretação da radiografia de tórax em dia também pode fazer a diferença neste momento, afinal, apesar de exames como USG e TC estarem ganhando força, o raio-x segue sendo o único método de imagem disponível em grande parte dos serviços, por ser simples e barato, e por fornecer informações importantes para quem sabe interpretá-lo. No nosso e-book ABC da radiologia: raio-x de tórax e abdome, te damos um passo a passo para a interpretação desses exames que você nunca viu antes, então aproveita!

Como é feito o tratamento da tríade de Beck?

É aqui que a gente volta à nossa paciente lúpica do início do caso! Intuitivamente, você concluirá de que ela provavelmente desenvolveu um volume de derrame pericárdio considerável a ponto de desenvolver a tríade de Beck completa. Você consegue contato com o serviço de ecocardiografia e é identificado derrame importante de 29 mm e sinais de restrição ao enchimento ventricular.

O que fazer agora? Esse doente pode receber alta? Obviamente, não. O tamponamento cardíaco pode ocorrer, de modo imprevisível, em cerca de 30% dos pacientes portadores de derrame pericárdico.

No mundo ideal, a pericardiocentese guiada por ecocardiografia é o método ideal de tratamento, pois a redução da pressão intrapericárdica elevada pode salvar a vida do paciente! Você prestou bem atenção na frase dita anteriormente? A redução da pressão pode salvar a vida do paciente. Portanto, não é indicada a retirada imediata de todo o líquido disponível no saco pericárdico.

Um cateter adequado pode ser inserido e posicionado na cavidade pericárdica a fim de drenagens seriadas caso o líquido se reacumule. O procedimento às cegas deve ser encarado, caso o ecocardiograma não esteja disponível: lembre-se de que o tamponamento cardíaco é uma causa de parada cardiorrespiratória.

O material deve ser enviado para análise em busca da etiologia, que nos guiará ao tratamento assertivo e definitivo. Pode ser, frequentemente, um exsudato; sanguinolento; transudato ou até mesmo purulento!

Imagem ilustrativa de pericardiocentese percutânea em um tamponamento cardíaco
Imagem ilustrativa de pericardiocentese percutânea em um tamponamento cardíaco (Créditos: SutureSkin)

É isso!

Então tá certo! Qualquer dúvida coloque nos comentários e esteja atento aos próximos posts!

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Até breve!

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DhiegoCampostrini

Dhiego Campostrini

Nascido em 1990. Médico graduado em 2014. Formado em Clínica Médica pelo Hospital Santa Marcelina-SP. Residência em Cardiologia da UNIFESP-EPM. Ex-preceptor, médico concursado do Hospital do Servidor Público Municipal - SP. Apaixonado por aprender e ensinar; fascinado pela Medicina.