Hoje, vamos falar de um tema frequente na prática clínica: trombose venosa profunda (TVP)! Provavelmente, você já deve ter atendido um paciente com queixa de edema assimétrico nos membros inferiores, questionando a hipótese diagnóstica de trombose venosa profunda.
Nesse caso, anticoagulante serve para todos os pacientes? Quais são as opções para anticoagulação? Anticoagulante vale para o resto da vida? Essas dúvidas comuns no manejo da trombose venosa profunda serão abordadas ao longo deste texto!
Se você ainda não sabe o que é trombose venosa profunda, fique tranquilo! Essa designação serve para quando uma veia profunda coagula, da pelve ou de um membro. A seguir, confira três cenários clássicos que, em grande parte das vezes, indicam esse tipo de trombose nos pacientes.
Imagine um paciente com diagnóstico de câncer gástrico há seis meses, queixa atual de dor e inchaço na perna direita há três dias. Esse é um dos protótipos clássicos de trombose venosa profunda. Um paciente com câncer tem 240% mais chances de desenvolver TVP que a população sadia.
Uma mulher de 25 anos, com história prévia de alopécia, artralgia, febre e “plaquetas baixas” chega ao consultório para investigar essas queixas, porém, na hora de ser examinada, é observado um edema apenas no membro inferior esquerdo — outro cenário clássico para trombose venosa profunda! Paciente com lúpus eritematoso sistêmico apresenta 440% mais chances de ter TVP que a população sem a doença!
Homem de 49 anos foi submetido à cirurgia de revascularização do miocárdio. No 4º dia do pós-operatório, queixa-se de dor e edema do membro inferior direito. Um paciente submetido a cirurgias prolongadas e associadas a tempo maior de imobilização têm maior risco para esse tipo de trombose.
Infelizmente, na trombose venosa profunda, a clínica não é soberana! Segundo a revisão do The Journal of the American Medical Association (JAMA) sobre exame físico baseado em evidências, ele não ajuda a confirmar ou descartar o diagnóstico de TVP.
Por exemplo, o sinal de Homans, um dos clássicos sinais da doença, tem uma acurácia menor que 50% para o diagnóstico. Os sinais mais prevalentes são: edema (85%) e dor (78%).
Veja a sensibilidade e a especificidade dos sinais clínicos para o diagnóstico de trombose venosa profunda na tabela a seguir.
Sinal | Sensibilidade (%) | Especificidade (%) |
Edema | 97 | 33 |
Dor | 86 | 19 |
Eritema | 72 | 48 |
Tabela: sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de trombose venosa profunda (Fonte: UpToDate)
Se o paciente contar uma história suspeita de trombose venosa profunda, o médico deve aplicar o escore de Wells, que prediz a probabilidade pré-teste de TVP. Isso vai dizer se o diagnóstico é mais ou menos provável na prática.
Porém, ele foi validado para pacientes não internados, ou seja, não vale para aquele paciente internado há 30 dias. É utilizado para as pessoas que chegam ao pronto-socorro ou ao ambulatório para avaliação.
Probabilidade | Pontos |
Baixa (3%) | <1 |
Intermediária (17%) | 1 – 2 |
Alta (50-75%) | ≥3 |
Tabela: probabilidade pré-teste conforme escore de wells (Fonte: Scielo)
A dosagem do D-dímero só é indicada para o paciente com baixa probabilidade de TVP! Se o valor for menor que 500 ng/ml, o teste é negativo, e a ultrassonografia não é solicitada. Para valor maior que 500 ng/ml, o teste é positivo! Nesse caso, é necessário prosseguir com a investigação.
Esse é o exame de escolha para diagnóstico, pois define os tipos de trombose: distal ou proximal. Basicamente, na trombose venosa profunda distal, o acometimento acontece abaixo do joelho (veias fibulares, tibiais). Já a proximal ocorre do joelho para cima (veias poplítea, femoral, ilíacas).
Agora que você já conhece os tipos de trombose, vamos resumir o mais importante sobre o diagnóstico:
Antes de estudar sobre essa doença, muitos pensam que é preciso anticoagular todos os pacientes! Se você também pensava assim, acompanhe os cinco passos do tratamento de trombose venosa profunda.
TVP proximal é igual a tratamento, uma vez que o risco de tromboembolismo pulmonar chega a 40-50% dos casos. No caso da TVP distal, se o paciente for sintomático, o tratamento também está indicado.
Se o paciente for assintomático, o médico pode apenas observar e repetir a ultrassonografia em duas semanas. Isso é válido principalmente para os pacientes com contraindicação à anticoagulação ou que não desejam anticoagular! Porém, perceba que não anticoagular uma trombose venosa profunda é exceção.
A anticoagulação é contraindicada nos pacientes com hemorragia ativa, plaquetopenia (<50 mil) ou hemorragia cerebral prévia. Nesse cenário catastrófico associado a uma TVP proximal, considera-se o implante de filtro de veia cava até resolver a contraindicação.
Considere que o paciente pode ser tratado ambulatorialmente se estiver hemodinamicamente estável, não apresentar insuficiência renal, tiver baixo risco de sangramento e capacidade de compreensão de administrar medicação subcutânea. Caso contrário, interne-o para o tratamento!
Em serviços com retorno precoce ao ambulatório para ajuste de medicação e avaliação de sinais de sangramento, é possível tratar ambulatorialmente alguns pacientes com critérios mais limítrofes. Porém, essa não é a realidade na maioria dos serviços.
Basicamente, há 3 fases da anticoagulação: período inicial, com duração de 5-21 dias, tratamento primário, com duração de 3-6 meses, e prevenção secundária, com duração indefinida.
Existem diversas estratégias para anticoagular um paciente com esse tipo de trombose. A forma mais disponível no SUS é a primeira, apresentada a seguir, junto das demais opções.
Essa é a mais clássica e a mais utilizada! Na prática, recomenda-se enoxaparina na dose de 1 mg/kg 12/12 horas* associada à varfarina de 5 mg uma vez ao dia com controle de INR após 4 dias. A enoxaparina só pode ser suspensa após o 5º dia e o INR estar no alvo (2-3). Após isso, é mantida apenas a varfarina.
Exemplo prático: paciente com 60 kg:
Essa estratégia é indicada principalmente para pacientes com instabilidade hemodinâmica e insuficiência renal (ClCr<30). Nesse caso, a solução é preparada da seguinte forma:
Essa estratégia é a mais cara, porém, tem a comodidade de não necessitar da coleta de exames de sangue e da modificação na dieta para ajuste da medicação. Nesse caso, a enoxaparina é administrada por 5-10 dias. Após, mantém-se apenas a dabigatrana ou a edoxabana. Exemplo prático em um paciente com 60 kg:
Lembre que esse tratamento não serve para todo mundo! Os DOACs são contraindicados em pacientes com insuficiência renal (ClCr<30 ml/min).
Além disso, não é recomendado nos seguintes grupos por falta de estudos específicos de segurança e eficácia: síndrome do anticorpo antifosfolípide, cirurgia bariátrica prévia, insuficiência hepática moderada-grave e câncer ativo. Uma ressalva é quanto ao câncer ativo, situação na qual a edoxabana pode ser utilizada.
Essa tem como vantagem não necessitar de medicação parenteral. O tratamento é iniciado sem o uso da enoxaparina. Uma característica da apixabana é que ela já foi estudada em pacientes com trombose venosa profunda com neoplasia maligna localmente avançada ou metastática.
A rivaroxabana também pode ser utilizada, porém, com evidência mais fraca. Exemplo prático:
Essa definição é muito importante para a definição do tempo de tratamento! Se for um evento provocado, o paciente vai anticoagular por 3-6 meses. Após, a anticoagulação é suspensa. Para trombose venosa profunda não provocada, considera-se manter o paciente anticoagulado por tempo indefinido.
Veja os principais fatores considerados de risco transitório de trombose venosa profunda na tabela abaixo. Se uma mulher apresentar TVP após uma cesárea, depois de três meses, ela não terá risco maior de um novo evento.
Pense que não faz sentido suspender o anticoagulante para o paciente que tem um fator de risco crônico para trombose venosa, como uma neoplasia maligna metastática, achando que ele não terá novos episódios da doença.
Fatores de risco transitórios para trombose venosa profunda (TVP) |
Maiores (ocorrido em 3 meses do diagnóstico) |
Cirurgia com anestesia geral por >30 min |
Acamado em hospital >=3 dias por doença aguda |
Cesárea |
Menores (ocorrido em 2 meses do diagnóstico) |
Cirurgia com anestesia geral por <30 min |
Internação hospitalar por <3 dias devido à doença aguda |
Estrogenioterapia (exemplos: anticoncepcional oral, terapia de reposição hormonal) |
Gestação e puerpério |
Acamado em ambiente extra-hospitalar por >=3 dias |
Lesão em membros inferiores com limitação da mobilidade por >=3dias |
Fonte: guideline da Sociedade Americana de Hematologia (2020)
Fatores de risco crônicos para trombose venosa profunda (TVP) |
Câncer ativo (em quimioterapia, recorrência ou progressão de doença) |
Doença inflamatória intestinal |
Doenças autoimunes (artrite reumatoide, síndrome do anticorpo antifosfolípide) |
Infecções crônicas |
Imobilidade crônica |
Fonte: guideline da Sociedade Americana de Hematologia (2020)
Se não forem encontrados nenhum fator de risco transitório ou crônico, a trombose venosa profunda é considerada não provocada. Para esses pacientes, a anticoagulação é válida por tempo indefinido, pois eles têm 10% de risco de novo evento trombótico a cada ano!
No geral, o mais importante para realizar o tratamento da trombose venosa profunda é se atentar às peculiaridades do paciente e seguir os cinco passos indicados. Você também pode dar uma olhada no nosso Guia de Prescrições, que ajuda a dosar os medicamentos no plantão.
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Paraense com orgulho, nascido em 1995 e graduado em Medicina no ano de 2018 na Universidade do Estado Do Pará (UEPA). Residência em Clínica Médica no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP). É apaixonado pela Clínica Médica raiz e a Medicina feita à beira do leito.
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