Acidose tubular renal: tudo que você precisa saber

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Estudar acidose tubular renal (ATR) ajuda a aumentar sua rede de conhecimento médico. É importante aprender sobre os aspectos essenciais dessa condição ou, como a literatura inglesa coloca, o core curriculum sobre essa doença.

As doenças túbulo-intersticiais ou distúrbios ácido-base representam um assunto bastante complexo para os estudos sobre a fisiologia renal. Continue lendo este artigo para conferir mais detalhes sobre o que é acidose tubular renal e ficar por dentro do assunto!

Por que aprender sobre a acidose tubular renal?

A acidose tubular renal proporciona várias integrações na rede do conhecimento médico. Trata-se de uma condição rara e que ajuda a compreender o funcionamento de:

  • diuréticos;
  • distúrbios hidro-eletrolíticos;
  • doenças da adrenal;
  • uropatia obstrutiva;
  • diabetes;
  • doenças autoimunes.

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Acidose hiperclorêmica

Voltando ao assunto, a porta de entrada para pensar em ATR é o paciente apresentar uma acidose metabólica, ou seja, uma redução no valor sérico do bicarbonato. Ao considerar distúrbios ácido-base do sangue, olhe para três valores:

  • pH: é o placar, diz se o paciente está em acidemia (pH < 7,35), alcalemia (pH > 7,45) ou normalidade; 
  • HCO3–: é a concentração da base, produzida pelos rins;
  • PaCO2: é a pressão parcial de CO2 produzido pelos pulmões.

A acidose metabólica simples é definida por HCO3– < 22 mEq/L. Note bem: pode haver acidose sem acidemia. A acidose é a redução da base no sangue. A acidemia é o placar, o resultado geral, indica sangue com pH < 7,35. Quando você se depara com uma acidose metabólica, o próximo passo é calcular o ânion gap.

Ânion gap

É fácil entender o ânion gap. O sangue precisa ter eletroneutralidade, isto é, a quantidade de cargas positivas deve ser igual à quantidade de cargas negativas. Como as cargas positivas e negativas derivam de íons, as primeiras são chamadas de cátions (C) e as últimas de ânions (A). Portanto:

C – A = 0

C = A

O número de cargas positivas é igual ao número de cargas negativas. Todavia, não dá para medir, rotineiramente, todos os cátions e ânions do sangue. Pelo contrário, poucos deles são mensurados.

No Brasil, ao calcular o ânion gap, o costume é medir apenas o sódio, o cloreto e o bicarbonato. Em outros países, costuma-se colocar na equação a concentração de potássio também.

Ânions não mensurados

Assim, surgem os cátions não mensurados e os ânions não mensurados. No caso, os cátions não mensurados são pouco relevantes, então podem ser desprezados. Por outro lado, os ânions não mensurados são muito importantes, conhecidos, justamente, como ânion gap (AG). Portanto:

C = Na+ 

A = Cl– + HCO3– + AG

Substituindo as duas equações acima na primeira equação, há:

C – A = 0

(Na+) – (Cl– + HCO3– + AG) = 0

Dessa forma:

Na+ – Cl– – HCO3– – AG = 0

“Jogando” os AG para a direita, há:

Na+ – Cl– – HCO3– = AG

É possível deduzir a fórmula do ânion gap: sódio menos a soma do cloreto com o bicarbonato. Não se esqueça de que um dos elementos dos ânions não mensurados do ânion gap é a albumina, então é preciso corrigir o valor do ânion gap encontrado pelo da albumina. O valor normal do ânion gap é de 10 ± 2 mEq/L. Assim, um ânion gap aumentado tem valor > 12 mEq/L.

Acidose de ânion gap aumentado

O cálculo do ânion gap é crucial, pois ele divide as etiologias das acidoses metabólicas em dois grandes grupos: as acidoses de ânion gap normal e as de ânion gap aumentado.

As acidoses metabólicas de ânion gap aumentado não são o foco da conversa de hoje, mas contemplam causas muito relevantes na prática clínica.

As acidoses metabólicas de ânion gap aumentado decorrem do aumento dos ânions não mensurados (o ânion gap). Há uma lista considerável de causas para a elevação desses ânions. No mnemônico GOLD MARK, há:

  • glycols: etilenoglicol;
  • oxoproline: derivado do uso crônico de paracetamol;
  • l-lactate: lactato elevado por hipoperfusão tecidual (choque séptico e outras causas de choque);
  • d-lactate: lactato produzido no contexto de síndrome do intestino curto;
  • methanol: intoxicação por metanol;
  • aspirin: intoxicação por salicilato (AAS);
  • renal failure: doença renal crônica, rabdomiólise;
  • ketoacidosis: cetoacidose, típicamente por DM descompensado.

Acidose hiperclorêmica ou acidose de ânion gap normal

Se o que aumenta na acidose de ânion gap aumentado são os ânions não mensurados, o que eleva na acidose de ânion gap normal é o cloro, resultando na acidose hiperclorêmica.

A acidose metabólica de ânion gap normal é igual à acidose metabólica hiperclorêmica. Lembre-se de que, por definição, HCO3– está baixo na acidose metabólica. Sendo assim, para manter a eletroneutralidade do sangue, os ânions não mensurados ou o cloreto devem ser elevados.

A ATR é uma das causas de acidose metabólica de ânion gap normal. Os mnemônicos não são tão usados para a acidose metabólica de ânion gap normal, mas eis aqui um, só para ajudar nos momentos de estresse: DURHAM. Ele significa:

  • diarrhea: perdas pelo trato gastrointestinal;
  • ureteral diversion: ureteres ligados ao intestino, liberando urina pelo intestino;
  • renal tubular acidosis: acidose tubular renal;
  • hyperalimentation: paciente com nutrição parenteral total, mas também paciente “alimentado” em excesso com soro fisiológico, recebendo muito cloreto;
  • Addison’s disease e acetazolamida: insuficiência adrenal e inibidores da anidrase carbônica;
  • miscellaneous: anfotericina B.

Uma das principais causas de acidose metabólica de ânion gap normal são as perdas de bicarbonato pelo trato gastrointestinal, já que as fezes carregam muito bicarbonato.

Outra causa com importância histórica é a ureterossigmoidostomia, cirurgia para pacientes com necessidade de ressecção de bexiga, em que os ureteres passam a drenar para o sigmoide. 

Tal técnica cirúrgica está em desuso pelas complicações, como acidose metabólica e incontinência fecal, e pelo avanço de técnicas de reconstrução do trato urinário baixo.

Além da acidose tubular renal, da qual falaremos com mais detalhes em breve, convém lembrar da acidose de expansão volêmica por solução salina. O soro fisiológico (salina) é composto de NaCl 0,9%, fornecendo alta carga de cloro e podendo levar à acidose hiperclorêmica.

Ânion gap urinário e amônio urinário

Passamos o primeiro item do nosso algoritmo diagnóstico de acidose tubular renal: a acidose hiperclorêmica. Agora, precisamos olhar para o ânion gap urinário, o que significa olhar indiretamente para o amônio urinário. 

O primeiro passo é lembrar da eletroneutralidade, dessa vez, da urina. Assim: 

C – A = 0

Os cátions e os ânions mensurados para calcular o ânion gap urinário são um pouco diferentes. Mede-se o sódio, o potássio e o cloreto urinário. Mais uma vez, há os cátions não mensurados (CN) e os ânions não mensurados (AN). 

Entre os cátions não mensurados, o mais importante é o amônio (NH4+). A amônia (NH3) atua como um tampão, ou seja, uma base que se liga ao H+ (ácido), diminuindo a acidez da urina:

NH3 + H+ ⇌ NH4+

Os cátions urinários são compostos pelo sódio, pelo potássio e pelos cátions não mensurados:

C = Na+ + K+ + CN

Os ânions urinários são compostos pelo cloreto e pelos ânions não mensurados:

A = Cl– + AN

Se C – A = 0 

então:

C = A (número de cátions é igual ao número de ânions)

Substituindo C por Na+ + K+ + CN e A por Cl– + AN:

C = A

Na+ + K+ + CN = Cl– + AN

“Jogando” o cloreto para esquerda, há:

Na+ + K+ – Cl– + CN = AN

“Jogando” os cátions não mensurados (CN) para a direita, há:

Na+ + K+ – Cl– = AN – CN

Aí está a definição de ânion gap urinário: sódio mais potássio menos cloreto OU a diferença entre ânions não mensurados e cátions não mensurados. 

Ânion gap urinário = Na+ + K+ – Cl– = AN – CN

Perceba que o mais importante cátion não mensurado é o amônio, de modo que dá para escrever a fórmula do ânion gap urinário simplesmente assim:

ânion gap urinário = AN – (NH4+)

Não dá para medir o amônio (NH4+) diretamente, mas pelo ânion gap, é possível estimá-lo. O corte aqui será zero. 

Se o ânion gap urinário for positivo (Na+ + K+ > Cl–), o amônio urinário (NH4+) será baixo, o que indica uma falha no sistema-tampão dos rins, sugerindo acidose tubular renal.

Se o ânion gap urinário for negativo (Na+ + K+ < Cl–), o amônio urinário (NH4+) será alto, o que indica que os mecanismos renais de excreção de ácido estão funcionando, sugerindo que a causa da acidose metabólica não é renal. Nesse caso, na maioria das vezes, a acidose metabólica decorrerá de diarreia. 

Como lembrar disso? Pense no ânion gap urinário, o que se tem mais acesso nas provas e na vida real. Se o ânion gap urinário estiver alto (positivo), a provável causa da acidose metabólica de ânion gap normal é renal porque os rins estão acima do intestino.

Tipos de acidose tubular renal

Se alguém perguntar em qual paciente pensar no diagnóstico de acidose tubular renal, você já sabe responder. Geralmente é aquele com uma acidose metabólica de ânion gap normal e ânion gap urinário positivo.

Em teoria, existem quatro tipos de ATR, mas pouca importância é dada à ATR de tipo III ou mista (proximal e distal). Para diferenciar os três tipos de acidose tubular renal, basta perguntar qual é o potássio sérico e o pH urinário. Antes de discernir uma da outra, vale conhecer a identidade de cada uma. Antes disso ainda, precisamos falar um pouco sobre fisiologia renal.

Acidose tubular renal: alguns aspectos da fisiologia renal

Antes de falarmos da fisiologia propriamente dita, lembre-se do significado de quatro termos frequentemente empregados nesse contexto:

  • filtração glomerular ou ultrafiltração: processo em que o fluido é recolhido na cápsula de Bowman como resultado da ação da pressão hidrostática sobre a membrana semipermeável dos capilares glomerulares. O ultrafiltrado é o líquido no lúmen do túbulo proximal;
  • reabsorção tubular: processo em que a célula tubular remove uma substância que estava no lúmen tubular para a célula tubular e para os capilares peritubulares;
  • secreção tubular: processo em que a célula tubular transporta uma substância que estava nos capilares peritubulares para o lúmen tubular;
  • excreção: o líquido formado no final do ducto coletor, pelo resultado da filtração glomerular, menos a reabsorção tubular, mais a secreção tubular.

Também é conveniente lembrar que a membrana apical é a membrana da célula tubular em contato com lúmen tubular, enquanto a membrana basolateral é aquela em contato com os capilares. 

O último ponto que convém rememorar antes de alcançarmos a conversa propriamente dita sobre fisiologia é a equação de síntese e dissociação do ácido carbônico, catalizada por diferentes tipos de anidrase carbônica:

H2O + CO2 ⇌ H2CO3 ⇌ H+ + HCO3–

Lembre-se que outra forma de nomear um cátion H+ é próton, já que o átomo de hidrogênio é formado por um próton e um elétron. Se ele doa o elétron, resta apenas o próton.

Transporte de ácidos e bases pelo néfron

A primeira informação relevante é que o corpo produz 15.000 mEq de ácido por dia, com resultado da respiração celular. Boa parte desse ácido é tamponado pelo bicarbonato sérico. Uma das funções dos rins é excretar o ácido tamponado. A outra é renovar os estoques de bicarbonato sérico.

A próxima informação essencial é que o bicarbonato é livremente filtrado na cápsula de Bowman, ou seja, todo o bicarbonato que passa pelo capilar glomerular vai para o túbulo proximal, no ultrafiltrado. 

Todavia, 99,9% do bicarbonato filtrado é reabsorvido ao longo do néfron. Um rim normal filtra todo o bicarbonato que chega aos glomérulos, mas não excreta praticamente nada de bicarbonato na urina.

Nesse cenário, é importante compreender como ocorre a reabsorção de bicarbonato ao longo do néfron. Como era de esperar, boa parte dessa reabsorção ocorre no túbulo proximal, o trabalhador braçal do néfron. O túbulo proximal ganha o prêmio de melhor funcionário todos os meses, reabsorvendo grande parte do que é filtrado no glomérulo.

Cerca de 90% do bicarbonato filtrado pelo glomérulo é reabsorvido no túbulo proximal. Os 9.9% restantes são reabsorvidos no ramo espesso da alça de Henle, no túbulo distal e no ducto coletor.

Túbulo proximal

Imagem ilustrativa atrelada ao tema da acidose tubular renal

Representação da reabsorção de bicarbonato no túbulo proximal. CA IV: anidrase carbônica IV. CA II: anidrase carbônica II. NHE-3: sódio-hidrogênio exchanger 3.

A figura parece poluída, mas não é tanta informação assim. O crucial aqui está na membrana apical, isto é, na interface entre a célula tubular e o lúmen tubular:

  • na membrana, há um canal que secreta 1 H+ para 1 Na+ reabsorvido (NHE3);
  • na face luminal da membrana apical do túbulo proximal, ocorre a síntese de ácido carbônico a partir de um próton, secretado pelo NHE3, e de um bicarbonato, filtrado pelo glomérulo (H+ + HCO3– ⇌ H2CO3);
  • ligado à membrana apical, na face luminal, está a enzima anidrase carbônica IV, que estimula a decomposição do ácido carbônico em dióxido de carbono e água (H2CO3 ⇌ H2O + CO2); 
  • o dióxido de carbono (CO2) difunde-se pela membrana apical até o meio intracelular;
  • no meio intracelular, catalisado por outro tipo de anidrase carbônica, tipo II, ocorre a síntese de ácido carbônico, que será decomposto em água, um próton e um bicarbonato (H2O + CO2 ⇌ H2CO3 ⇌ H+ + HCO3–);
  • o próton será secretado para o lúmen pelo NHE3, enquanto o bicarbonato será reabsorvido nos capilares peritubulares. 

Outra função relevante do túbulo proximal é a síntese de amônia e bicarbonato a partir da glutamina. A metabolização da glutamina produz o cátion amônio (NH4+) e o ânion hidróxido (OH–). O amônio será convertido em amônia (NH3), que se difunde para o lúmen. A amônia no lúmen atua como uma base, tamponando o H+, formando NH4+ e alcalinizando o pH urinário.

O hidróxido será metabolizado em bicarbonato novo, que será secretado na circulação sistêmica. Perceba que a síntese de bicarbonato depende do metabolismo da glutamina.

Ducto distal

Há três populações de células no ducto distal: 

  • células principais: reabsorvem Na+ e água e secretam K+;
  • células intercaladas α: secretam H+;
  • células intercaladas ß: secretam HCO3–.

A célula intercalada α secreta prótons por meio de uma bomba H+-ATPase (em azul) e de uma bomba que secreta H+ para cada K+ reabsorvido (em marrom), movida por ATP também.

Esse é um dos mecanismos que explica a correlação entre acidose e hipercalemia: na vigência de acidose, mais prótons serão secretados e mais íons de potássio serão reabsorvidos.

A anidrase carbônica II é responsável pela síntese de bicarbonato intracelular, assim como na célula do túbulo proximal. O canal AE1 transporta um bicarbonato para a circulação e um cloreto para o meio intracelular. Dessa forma, a célula intercalada α também é responsável pela reabsorção de bicarbonato.

A célula principal do ducto coletor está associada ao manejo hidroeletrolítico, sendo influenciada pela aldosterona, pelo hormônio final do sistema renina-angiotensina-aldosterona.

Esse sistema tem papel fulcral no manejo volêmico dos animais que não vivem no ambiente aquático. Ele contribui para a manutenção de água e sódio no organismo, já que há escassez de água fora do ambiente aquático.

Função da aldosterona

Esse conceito da biologia evolucionária pode auxiliar a recordar a função da aldosterona: reabsorver sódio e água. A aldosterona acopla-se ao receptor mineralocorticoide na membrana basoletaral. 

O conjunto adentra o citoplasma e estimula a transcrição do famoso canal ENaC (canal de sódio epitelial). Esse canal é responsável por reabsorver sódio no ducto coletor. Por meio do canal da aquaporina 2, movido pelo gradiente osmótico, a água é reabsorvida.

A aldosterona estimula a secreção de potássio indiretamente. Aumentando a reabsorção de sódio pelo ENaC, a aldosterona favorece a criação de um gradiente eletroquímico que move o potássio para o meio extracelular passivamente.

Lembre-se de que a espironolactona é um antagonista do receptor mineralocorticoide, agindo na membrana basolateral, enquanto a amilorida é um antagonista direto do ENaC, agindo na membrana apical. Portanto, para agir adequadamente, a amilorida precisa ser filtrada, chegar ao lúmen tubular e inibir o ENaC.

Acidose tubular renal distal clássica ou do tipo I

Na acidose tubular renal distal clássica (associada à hipocalemia), há um defeito na reabsorção de bicarbonato pelas células intercaladas α. Geralmente, o defeito localiza-se na bomba H+-ATPase (membrana apical) ou no canal AE1, localizado na membrana basolateral, responsável pelo transporte de bicarbonato para a circulação, enquanto transporta cloreto para o meio intracelular.

É o único tipo de ATR associado à dificuldade de secretar prótons no lúmen tubular, estando associada com pH urinário > 5,5. Também há hipocalemia, possivelmente decorrente da elevação da aldosterona por uma perda urinária importante de sódio.

Há causas hereditárias, potencialmente associadas à surdez neurossensorial, e adquiridas, sendo as mais prevalentes doenças autoimunes, como síndrome de Sjögren, lúpus eritematoso sistêmico e artrite reumatoide.

Outra causa relevante é o paciente transplantado renal. Entre as medicações associadas, é possível citar: anfotericina B, lítio e bisfosfonatos intravenosos (como ácido zoledrônico).

Sinais e sintomas

Clinicamente, os pacientes tendem a apresentar sinais e sintomas de hipocalemia, como fraqueza ou paralisia proximal, polidipsia e poliúria. Além disso, a acidose sistêmica crônica contribui para a reabsorção óssea (estímulo da atividade de osteoclastos) e o aumento da calciúria, o que favorece a formação de cálculos (nefrolitíase) e a ocorrência de nefrocalcinose (deposição de cálcio no parênquima renal).

Convém destacar que um dos fatores de risco para nefrolitíase e nefrocalcinose é a hipocitratúria, já que níveis adequados de citrato na urina protegem para tais condições.

Pacientes com ATR distal clássica tipicamente apresentam hipocritratúria, provavelmente secundária a uma absorção exagerada de citrato no túbulo proximal, já que o citrato se transforma em bicarbonato. Isso significa que o túbulo proximal reage à acidose sistêmica reabsorvendo mais citrato, e isso predispõe à formação de nefrolitíase.

O diagnóstico deve ser suspeitado nos casos de acidose metabólica de ânion gap normal, com ânion gap urinário positivo, pH urinário > 5,5 e hipocalemia. O tratamento consiste na reposição de bicarbonato e potássio.

Acidose tubular renal proximal ou do tipo II

A ATR proximal ou do tipo II decorre de um defeito na reabsorção de bicarbonato no túbulo proximal. Ele pode se localizar no canal NHE3 (troca sódio por próton na membrana apical), na bomba H+-ATPase (membrana apical), na anidrase carbônica intracelular (II) ou no canal de transporte de bicarbonato na membrana basolateral.

É relevante notar que a ATR proximal pode estar associada à síndrome de Fanconi, em que ocorre comprometimento generalizado da reabsorção de solutos no túbulo proximal, levando à perda urinária de glicose, aminoácidos, fosfato e ácido úrico.

Das causas hereditárias, merecem destaque a já citada síndrome de Fanconi e a doença de Wilson (sobrecarga de cobre sistêmica), que pode levar a uma síndrome de Fanconi.

As principais causas adquiridas de ATR proximal derivam de deposição de cadeias leves, o que ocorre, por exemplo, na amiloidose e no mieloma múltiplo. Outras causas incluem intoxicação por metais como cádmio e chumbo, além de medicações, como ácido valpróico, inibidores da anidrase carbônica (acetazolamida) e tenofovir.

Sinais e sintomas

Clinicamente, os pacientes podem apresentar-se assintomáticos, com sintomas de hipocalemia, fraturas ou dor óssea por osteomalácia, secundária à acidose sistêmica. A ATR proximal não se correlaciona classicamente com nefrolitíase ou nefrocalcinose.

O diagnóstico deve ser suspeitado nos casos de acidose metabólica de ânion gap normal, com ânion gap urinário positivo, com pH urinário < 5,5 e hipocalemia.

O pH urinário ácido explica-se pelo defeito na secreção de amônia no túbulo proximal para tamponar os prótons no lúmen tubular. Já a hipocalemia pode decorrer do aumento da secreção distal de potássio, diante do aporte maior de bicarbonato. O tratamento consiste na reposição oral de bicarbonato e potássio.

ATR distal hipercalêmica ou ATR do tipo IV

A ATR distal hipercalêmica deriva de um defeito na função das células principais do ducto coletor. O defeito primário parece ser uma redução na reabsorção de sódio pelo ENaC, aumentando a carga da face luminal da membrana apical. Essa carga mais positiva inibe o fluxo de prótons e potássio para o lúmen tubular, causando hipercalemia e acidose metabólica.

As causas hereditárias associam-se ao hipoaldosteronismo congênito, enquanto as causas adquiridas são classicamente o hipoaldosteronismo hiporreninêmico, a uropatia obstrutiva, a insuficiência adrenal primária e as medicações:

  • inibidores da enzima conversora de angiotensina;
  • bloqueadores do receptor de angiotensina II;
  • diuréticos poupadores de potássio (espironolactona ou amilorida);
  • trimetoprima (antibiótico geralmente associado ao sulfametoxazol);
  • anti-inflamatórios não esteroidais;
  • inibidores de calcineurina (tacrolimus e ciclosporina);
  • heparina, por inibir a zona glomerulosa da adrenal.

O hipoaldosteronismo hiporreninêmico correlaciona-se à nefropatia diabética e à nefrite intersticial crônica. A uropatia obstrutiva, ou seja, uma síndrome pós-renal, é causa importante na população idosa de ATR hipercalêmica.

Ao pensar em insuficiência adrenal primária, deve-se lembrar da insuficiência adrenal autoimune e das infecções da adrenal (paracoccidioidomicose, tuberculose).

O diagnóstico deve ser suspeitado nos casos de acidose metabólica de ânion gap normal, com ânion gap urinário positivo e hipercalemia. O pH geralmente é < 5,5, mas pode ser alcalino na uropatia obstrutiva. O tratamento consiste em reduzir os níveis de potássio, em primeiro lugar, pois isso tende a aumentar a produção de bicarbonato pelo túbulo proximal.

Acidose tubular renal: quando suspeitar e como diagnosticar?

Quando suspeitar de ATR:

  • acidose metabólica de ânion gap normal;
  • taxa de filtração glomerular preservada ou pouco alterada;
  • nefrocalcinose ou nefrolitíase (ATR distal clássica);
  • osteomalácia em crianças ou osteoporose precoce;
  • síndrome de Sjögren com hipocalemia (ATR distal clássica);
  • hipocalemia não explicada (ATR I ou II).

Segue uma tabela com o resumo dos diferentes tipos de acidose tubular renal:

ATR distal (I)

ATR proximal (II)

ATR distal hipercalêmica (IV)

Acidose metabólica

Presente

Presente

Presente

Ânion gap sérico

Normal

Normal

Normal

Ânion gap urinário

Positivo

Positivo

Positivo

Potássio sérico

Hipocalemia

Hipocalemia

Hipercalemia

pH urinário

pH > 5,5

pH < 5,5

pH < 5,5

Nefrolitíase ou nefrocalcinose

Sim

Não

Não

Síndrome de Fanconi

Não

Sim

Não

Causas adquiridas

Sd de Sjögre, LES, Anfotericina B

Mieloma múltiplo, amiloidose, tenofovir

Insuficiência adrenal, heparina, hipoaldo hiporreninêmico (DM), trimetoprim

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Referências

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MateusFranco

Mateus Franco

Sou médico e clínico geral formado pela UNIFESP. Gosto de ler, de conversar sobre política e de trabalhar com educação.