Se você já deu plantão de porta, seja no internato ou pós formado, certamente já se deparou com uma gestante queixando-se de sangramento vaginal e dor abdominal no início da gravidez. Nesse contexto, o aborto é um diagnóstico que não pode deixar de passar pela sua cabeça, já que a incidência desse desfecho é de 20% de todas as gestações diagnosticadas. Caso o aborto se confirme, você provavelmente fará uma curetagem uterina.
Também é importante saber que, de todas as gestações (clínicas e subclínicas), estima-se que 70% não atingem a viabilidade. Não dá pra comer bola, né?! Então, bora direto ao ponto sobre tudo o que você precisa saber sobre aborto e a curetagem uterina!
O aborto é definido como a interrupção da gestação antes da viabilidade, ou seja, antes de 22 semanas ou feto com peso inferior a 500g. Existem classificações quanto ao tempo, causa e frequência.
PRECOCE | ≤ 12 semanas |
TARDIO | > 12 semanas |
ESPONTÂNEO | Ausência de fator causal |
PROVOCADO | Provocado pela paciente ou terceiros |
ESPORÁDICO | Perda isolada |
HABITUAL | 3 ou mais perdas |
Os modos de aborto mais comuns são os precoces e esporádicos e os que merecem investigação são os tardios e habituais. Com relação às causas, a principal etiologia das perdas gestacionais antes da viabilidade são as cromossomopatias, representando cerca de 50% dos abortos no primeiro trimestre e sendo as alterações numéricas as principais responsáveis.
Além disso, diversos quadros de risco têm sido relacionados a questões como idade materna avançada, história reprodutiva prévia, exposição a solventes orgânicos, tabagismo, uso de alcool, uso de cocaína, doença materna grave e trauma.
Entendi… mas como tudo isso acontece? Qual é o start? Seguinte: em uma gravidez normal inicial não ocorre fluxo interviloso, ou seja, transplacentário, até o final do 1º trimestre. Isso porque o trofoblasto, porção que invade e se adere ao útero, forma uma espécie de plug na saída das artérias espiraladas, criando uma capa de proteção.
Por volta da 10ª semana, os tampões se dissipam, estabelecendo livre comunicação entre as artérias e a placenta. Essa barreira no início da gestação protege o feto do estresse oxidativo causado por radicais livres de oxigênio. Na maioria dos abortamentos ocorre um defeito na migração do trofoblasto, então, além do estresse oxidativo, a excessiva entrada de sangue tem efeito mecânico direto contribuindo para disfunção e lesão celular.
Certo, vamos lá! Existe mais uma classificação que nos auxilia no manejo e conduta. Isso porque, como veremos, existem diferentes formas de apresentação clínica e ultrassonográfica. Da um bizu na tabela abaixo e veja do que estamos falando:
COLO ABERTO | APRESENTAÇÃO CLÍNICA / USG | CONDUTA |
Incompleto | Cólica e sangramento intensos. Útero menor que a IG. USG com restos ovulares e endométrio heterogeneo > 15 mm. | Esvaziamento uterino. |
Inevitável | Útero compatível com IG. Embrião/feto presente. | Esvaziamento uterino. |
Infectado | Febre, taquicardia, odor fétido, leucocitose. USG com endométrio espesso e irregular. | Antibioticoterapia e esvaziamento uterino. |
COLO FECHADO | APRESENTAÇÃO CLÍNICA / USG | CONDUTA |
Ameaça | Cólica e sangramento ausente ou leve. Útero compatível com a IG. BCF presente. | Repouso relativo domiciliar e analgesia. |
Completo | História de sangramento vaginal. Útero menor que a IG. USG com cavidade uterina vazia e endométrio regular < 15 mm. | Tranquilizar e orientar. |
Retido | Útero menor do que a IG e cessação dos sintomas de gravidez. USG com embrião presente, comprimento cabeça-nádega > 7 mm. | Repetir USG em 7-14 dias para evitar erro diagnóstico. Expectante ou esvaziamento uterino após. |
O tratamento expectante é uma alternativa para abortamentos precoces em pacientes estáveis. Nesses casos a expulsão ocorre nas primeiras semanas, necessitando de tratamento adjuvante caso não ocorra. O esvaziamento uterino pode ser feito com medicação ou via cirúrgica. A escolha entre os dois métodos depende da idade gestacional e presença ou não de feto intraútero.
O esvaziamento cirúrgico é a via preferencial para fetos com menos de 12 semanas. Isso porque a partir de então há presença de espículas ósseas incorrendo em risco de lesão uterina durante o procedimento. Ele pode ser feito com aspiração manual intrauterina (AMIU) ou curetagem. Não há necessidade de utilização de antibiotico para realização dos procedimentos, exceto em aborto infectado.
A AMIU é um procedimento com menor risco de perfuração uterina e menos traumático. Pode ser feito via ambulatorial.
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A curetagem uterina é feita preferencialmente sob sedoanalgesia. Durante o procedimento, é necessário a dilatação cervical, que é feita pela introdução sucessiva de velas de Hegar de diâmetros crescentes.
A curetagem uterina pode ser precedida da curagem – descolamento digital do ovo de suas conexões – ou de aprensão da massa ovular com pinça própria. O dedo ou a pinça retiram a maior parte do conteúdo, completando-se o procedimento com a curetagem uterina propriamente dita.
Recomenda-se raspar toda a superfície de forma sistemática. As complicações são raras e podem incluir perfuração uterina, lesão cervical, infecção, hemorragia, procedimento incompleto e aderências intrauterinas.
Por fim, o esvaziamento medicamentoso é a forma preconizada após 12 semanas. Ele pode ser feito com misoprostol ou ocitocina.
Vale lembrar que diante de um sangramento na gestação é imperativo a solicitação de tipagem sanguínea materna e administração de imunoglobulina anti-D para as Rh negativas, a fim de evitar aloimunização materna e a ocorrência de doença hemolítica perinatal.
Bastante coisa, né?! Mas não tem jeito, amigo, você precisa saber reconhecer o aborto e manejar! Muitas vezes, esse manejo vai envolver a curetagem uterina e, por isso, esperamos que você tenha esclarecido todas as suas dúvidas.
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Nos vemos numa próxima! Valeu!
*Colaborou Renata Pereira Cavalcanti
Nascido em 1993, em Maringá, se formou em Medicina pela UEM (Universidade Estadual de Maringá). Residência em Medicina de Emergência pelo Hospital Israelita Albert Einstein.