Já ouviu falar de ultrassonografia point-of-care? Ela é conhecida pela sigla POCUS em muitos serviços médicos e é uma febre! A ultrassonografia point-of-care é um método de avaliação focada utilizando a ultrassonografia à beira-leito para responder uma pergunta clínica específica e que permite tomar uma conduta rápida e assertiva em um paciente crítico.
Esse paciente que, muitas vezes, não tem condições e nem tempo hábil para se deslocar até o serviço de radiologia para realizar um exame diagnóstico mais completo.
Neste contexto, a ultrassonografia focada da veia cava se destacou como um método muito útil na avaliação rápida e não invasiva da pressão do átrio direito (já que é lá que ela drena, lembra?) e do status volêmico dos pacientes críticos.
Calma! Vai ficar tudo bem mais claro. Vamos começar revisando a anatomia…
Você deve se lembrar da anatomia básica, que temos: uma veia cava superior que drena o sangue da cabeça, membros superiores e do tórax e uma veia cava inferior que drena o sangue dos membros inferiores e do abdome. Certo? Pois bem, as duas veias cavas drenam diretamente no átrio direito, depois o sangue segue para o ventrículo direito e pulmão para ser novamente oxigenado.
Moleza, né? Veja que, pelo fato da veia cava drenar diretamente no átrio direito, ela reflete muito bem a sua hemodinâmica. É isso que a ultrassonografia vai explorar.
Claro que nem tudo são flores… A veia cava superior infelizmente é praticamente inacessível à ultrassonografia convencional já que fica intratorácica. Mas já a veia cava inferior é facilmente visualizada em sua porção retro-hepática através de uma janela ultrassonográfica abdominal subcostal.
Esta veia é identificada como uma imagem tubuliforme anecogênica posterior ao lobo hepático esquerdo e, pela sua proximidade com o coração, apresenta variação do seu diâmetro com a respiração e o ciclo cardíaco (a gente chama essa variação de fasicidade).
É bem fácil de entender: quando a gente inspira, a pressão intratorácica fica negativa, o que puxa o sangue da veia cava pro átrio direito, levando a uma redução do seu diâmetro; já na expiração ocorre o contrário.
Um detalhe aqui é bastante importante. Nos pacientes em ventilação invasiva, a pressão intratorácica na verdade vai aumentar quando for feita a oferta respiratória sob pressão positiva, aumentando o calibre da veia cava inferior na “inspiração”. Beleza? É só raciocinar em cima da fisiologia do ciclo cardíaco e respiratório!
As possibilidades de aplicação são inúmeras e vão só crescendo. Listei algumas abaixo:
A interpretação da ultrassonografia da veia cava inferior basicamente leva em conta o diâmetro máximo da veia cava inferior e seu grau de colapsabilidade durante o ciclo respiratório. Estes parâmetros foram correlacionados com as medidas de pressão venosa central e são muito utilizados em UTIs e pronto-socorros.
Considera-se normal um diâmetro máximo de até 2,1 cm e uma colapsabilidade > 50% do seu diâmetro (estas medidas devem ser feitas preferencialmente cerca de 2 cm inferior à junção da veia cava inferior no átrio direito).
Diâmetro (cm) | Colapsabilidade (%) | Pressão venosa central (mmHg) | |
Normal | ≤2,1 | >50% | 0-5 |
Intermediário | ≤2,1 | < 50% | 5-10 |
Intermediário | >2,1 | >50% | 5-10 |
Alto | >2,1 | <50% | 10-20 |
Mas mais importante que as medidas é a interpretação do que se vê! Um paciente com um derrame pericárdico, por exemplo, que apresenta uma veia cava inferior dilatada (pletórica) e com perda ou redução da fasicidade (colapsibilidade), sugere que haja repercussão hemodinâmica deste derrame com uma dificuldade do retorno venoso o que é manifesto na ultrassonografia justamente como uma veia cava gorducha e que colapsa pouco com a redução da pressão intratorácica.
A mesma coisa em um paciente dialítico que eu suspeito estar com sobrecarga de volume. Se eu vejo uma veia cava dilatada e pouco fásica, isso me sugere que haja sim sobrecarga de volume. Sacou?
Veja que legal é poder ter esse tipo de informação de forma rápida, fácil e barata na beira do leito do seu paciente. Muito útil, né? E olha que isso aqui é só uma pincelada.
É isso, pessoal! Espero que este texto tenha despertado em você o interesse de incluir a ultrassonografia point-of-care na condução dos seus pacientes. Lembre-se que aqui não há intenção diagnóstica como se espera de um exame de ultrassonografia completo feito por um radiologista ou ultrassonografista habilitados. O objetivo da ultrassonografia point-of-care é responder uma pergunta clínica e específica que permite guiar uma conduta imediata.
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Aquele abraço, pessoal!
Até a próxima.
Mineira, millennial e radiologista fanática. Formou-se em Radiologia pelo HCFMUSP na turma 2017-2020 e realizou fellow em Radiologia Torácica e Abdominal em 2020-2021 no mesmo instituto, além de ter sido preceptora da residência de Radiologia por 1 ano e meio. Apaixonada por pão de queijo, café e ensinar radiologia.