Habitualmente em uma gestação normal a placenta tem a inserção central do cordão em forma de “guarda-chuva” e os vasos fetais ficam protegidos por uma camada gelatinosa, denominada geléia de Wharton. Seu principal objetivo é proteger os vasos de lesões, traumas e compressões.
Na vasa previa, uma condição rara na gestação, os vasos provenientes do cordão umbilical ficam implantados na zona marginal da placenta, dando-lhe o aspecto de “raquete de tênis”. Os vasos podem ser associados a um cordão umbilical de inserção velamentosa (vasa prévia tipo 1) ou podem estar ligados a lóbulos de uma placenta bilobada (vasa prévia tipo 2).
A frequência de inserção velamentosa do funículo umbilical oscila entre 0,5 e 1% em gestações simples, ao redor de 10% nas gestações gemelares e, segundo alguns autores, pode chegar próximo de 100% em gestações trigemelares.
Em ambas as condições os vasos ficam desprotegidos, em contato direto com as membranas ovulares, interpostos entre o orifício interno do colo e a apresentação fetal. Essa condição não afeta o desenvolvimento do feto, porém quando ocorre o rompimento da bolsa, seja de forma espontânea ou artificial, esses vasos que estão vulneráveis e expostos podem sofrer rotura, gerando assim uma condição de emergência obstétrica.
É importante destacarmos que essa perda sanguínea ocorre concomitante à rotura das membranas e a hemorragia é exclusivamente fetal, o que justifica o aspecto vermelho vivo e autolimitado do sangramento. Calcula-se que a volemia de um feto a termo gira ao redor de 250 ml. Portanto, a perda de pequena quantidade de sangue fetal pode levá-lo ao choque hemorrágico e ao óbito.,
Vale lembrar que também é possível a ruptura dos vasos com membranas íntegras, sendo a sua simples compressão pela apresentação fetal relacionada a uma mortalidade entre 50 e 60%. Essa estatística acaba muitas vezes negligenciada, ficando o diagnóstico como uma morte súbita do concepto à esclarecer.
Agora que você já sabe o que é a vasa prévia e sua alta mortalidade, vamos entender como ela se desenvolve e quais medidas podemos tomar para minimizar seus riscos.
A prevalência de vasa prévia é de aproximadamente 1 em 2500 partos. Pode ocorrer em qualquer gestação, entretanto em algumas esse risco é maior, como no caso da placenta prévia, gestações múltiplas, placenta bilobulada, gestações por fertilização in vitro e antecedente de cesárea anterior ou cirurgia uterina. Embora seja uma condição rara, temos que estar alertas para essa possibilidade diagnóstica, ainda mais considerando que ela é assintomática ao longo da gestação.
Mas se a vasa prévia é uma condição rara e assintomática, como faremos o diagnóstico?
O primeiro passo é a suspeição clínica! Frente a um antecedente de placenta prévia é imprescindível uma avaliação detalhada do cordão umbilical durante a ultrassonografia. O diagnóstico antenatal é possível através da ultrassonografia com doppler, por meio da identificação dos vasos fetais correndo sobre o orifício do colo uterino. Esse método tem alta acurácia e pequena taxa de falsos-positivos, sendo decisivo no desfecho pós-natal.
Uma vez confirmado o diagnóstico devemos programar a interrupção da gestação visando evitar a instalação do trabalho de parto e rotura de membranas. Em gestantes assintomáticas é embasado pela maioria dos autores programar a resolução da gestação por cesariana eletiva entre 34-36 semanas, buscando minimizar o impacto da prematuridade, sem correr tantos riscos em relação a rotura espontânea de membranas ou compressão da apresentação fetal.
Já nas pacientes sintomáticas, que apresentam outras condições associadas, como placenta prévia, gemelaridade ou fatores de risco adicionais para rotura precoce de membranas, como polidramnia e infecções, é razoável a individualização de cada caso, visando sempre o melhor desfecho materno-fetal.
Se o diagnóstico antenatal é o nosso maior aliado, a estatística é nossa maior inimiga. Infelizmente a maioria dos diagnósticos de vasa prévia é feita no intraparto, seja através da palpação dos vasos fetais durante o toque vaginal ou pela presença de sangramento vaginal após a rotura de membranas.
Embora seja um quadro clínico típico, de sangramento vaginal indolor logo após a rotura de membranas, habitualmente associado a rápida deterioração da vitalidade fetal, alguns diagnósticos diferenciais devem ser aventados.
Quanto maior a sua gama de diagnósticos diferenciais, maior a sua chance de fazer o diagnóstico correto. Quando se trata de sangramento vaginal da segunda metade, o primeiro deles, que muitas vezes está associado ao quadro e pode nos confundir, é o de placenta prévia.
A placenta prévia é definida como a implantação da placenta, parcial ou inteiramente, no segmento inferior do útero e pode ser classificada em:
Seu quadro clínico clássico é de sangramento vaginal indolor, autolimitado, recorrente e progressivo. Geralmente não cursa com deterioração rápida da vitalidade fetal pois se trata de uma hemorragia MATERNA e não fetal como é o caso da vasa prévia.
Outro diagnóstico que não pode deixar de ser pensado durante um episódio de sangramento no terceiro trimestre de gestação, ainda mais associado a deterioração fetal, é o descolamento prematuro de placenta. Embora seu diagnóstico clássico seja de sangramento vaginal associado a dor abdominal e hipertonia uterina, nem sempre o quadro abre de forma tão florida, sendo um diferencial importante quando falamos de vasa prévia.
Por fim, temos dois diagnósticos menos frequentes, mas que também precisam ser mencionados: a rotura uterina e ruptura do seio marginal placentário.
A rotura uterina pode ser identificada em dois momentos, na iminência de rotura em que temos contrações intensas e excessivamente dolorosas associada ao sinal de Bandl-Frommel, mais conhecido como sinal da ampulheta (anel próximo à cicatriz umbilical que separa o corpo do segmento inferior do útero, dando ao útero um formato de uma ampulheta).
Na rotura em si temos a parada das contrações, subida da apresentação, associado ou não a sangramento vaginal. Frequentemente há perda súbita dos batimentos cardíacos fetais e a gestante pode ou evoluir com quadro de choque hipovolêmico, com taquicardia importante e hipotensão.
Outro diagnóstico, agora diferente, diz respeito à rotura do seio marginal, um pequeno descolamento da borda da placenta, ocasionando sangramento vaginal, geralmente em menor quantidade sem impactar nos batimentos cardíacos do feto.
Em caso de dúvida, alguns testes rápidos são descritos na literatura para elucidação diagnóstica, sendo eles:
Vale lembrar que esses testes só devem ser realizados frente a vitalidade fetal preservada, o que na maioria das vezes não acontece. Segundo dados do Ministério da Saúde, aproximadamente 60% das pacientes com vasa prévia diagnosticada no intraparto resultam em natimortos.
Mas se o diagnóstico é tão difícil e a mortalidade é tão alta, como podemos reduzir esse risco e melhorar o desfecho neonatal?
O primeiro passo é pensar no diagnóstico, o segundo passo é reconhecer o quadro clínico e o terceiro é tratar de forma rápida e adequada.
Diante dos fatores que sabidamente aumentam o risco de vasa prévia, como placenta prévia, gestação múltipla e fertilização in vitro, assim como nas alterações morfológicas placentárias, é papel do médico assistente pensar na possibilidade de vasa prévia e procurar seu diagnóstico. Embora haja controvérsias, os trabalhos mais recentes preconizam o diagnóstico ultrassonográfico preferencialmente, entre a 18a e a 22a semana da gravidez. Lembrando que não existe tratamento específico para esta condição, confirmado o diagnóstico, aguarda-se a maturidade fetal e interrompe-se a gestação por cesariana eletiva.
Caso não tenha sido feito no período antenatal é importantes termos o diagnóstico em mente para que frente a um sangramento vaginal durante o trabalho de parto se acenda a luz vermelha para o diagnóstico de vasa prévia, principalmente diante dos fatores de risco já mencionados, não hesitando na rápida resolução da gestação frente ao comprometimento da vitalidade fetal.
Bom galera, essa é uma condição que embora seja muito rara, quando diagnosticada e conduzida de forma adequada pode salvar a vida do feto. Por isso a importância de conhecer seus principais fatores de risco e não negligenciar seu diagnóstico. Essa importância e impacto clínico reflete nas provas de residência, sendo um tema badalado na hora de diferenciar um bom candidato. Aproveita essa revisão e dá uma conferida nos outros textos sobre sangramento da segunda metade da gestação!
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Paulista, nascida em 1995. Formada em Medicina pela Escola Paulista de Medicina/Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp) e especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela mesma instituição. Fellowship de pós-graduação em Reprodução Humana na Unifesp. Experiência na assistência médica com Reprodução Humana e Saúde Assistida. O sucesso é uma decisão.